Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


JOAQUIM 🙏🌹✝️

 

A janela é a mesma e a visão oceânica também. Embora os rios desaguados perpetuem a transitoriedade.

 

Prédios a mais, próximos, mais distantes. Cores diferentes nas fechadas; talvez menos verde naquela montanha, em meio a um maior número de casas empilhadas, não importa...

 

Lembro é que, num daqueles momentos de crises existenciais passageiras, aquele garoto, sem hesitar, me puxou para essa janela; escancarou, me fez olhar para fora.

 

O efeito foi instantâneo. A crise de lágrimas cessou como por encanto. 

 

Foram necessários entre trinta e quarenta anos para um despertar completo para o sentido daquilo, e mesmo assim, há pouco debruçada no parapeito da mesma janela, instintivamente procurando o Oceano em dias de cheias no rio da vida, endereço àquele garoto a comunhão do meu coração - que, por constatações várias, extensas para expor aqui para além de certa medida de admiração e respeito, nunca esteve distante do dele.

 

Sim, aquele garoto era uma alma antiga, hoje eu sei.

 

Gastamos meses lúdicos da nossa adolescência feliz de estudantes num envolvimento sincero; puro quanto é (ou era, ao menos naqueles tempos) o sentimento entre um casal apaixonado de adolescentes, mas é claro que aquilo, como tudo neste mundo de formas ilusórias, estava fadado a não durar.

 

Éramos jovens demais.

 

Nascentes de rios. 

 

Lá na frente, o Oceano imenso nos aguardava, e uma interferência fortuita (hoje imagino que intencional) nos distanciou. Pois quem que, iludido pelos embates mais violentos da vida lá na frente, compreende ou respeita a raridade de um sentimento puro e bom?

 

Neste mundo, quase impossível. Rios que seguem mais à frente,impetuosos, distantes das nascentes, já se contaminaram demais pelo meio do caminho. E claro que, encontrando algo de que já se esqueceram sobre o seu passado - a pureza e limpidez das águas das nascentes - não as reconhecem nem respeitam mais.

 

Lançam-se em cima, cegos, imprevidentes.

 

E com isso, não contaminam forçosamente as águas das nascentes que, por um golpe de sorte ou persistência, vão seguindo puras - mas, eventualmente, desviam o seu curso. Isso pode ser possível. 

 

Éramos como filetes d'água da nascente e isso, pois, foi o que nos aconteceu. Mas nunca nos distanciou de verdade.

 

Apenas uma única vez na vida, muitos anos depois, vi aquele garoto de novo - aquela alma antiga emaranhada espiritualmente à minha desde a eternidade - o suficiente para confirmar, em poucas horas de conversa que, então rios firmes em seu curso, eu e ele, carregávamos indicações claras de uma irmandade espiritual sólida, porém pouco compreendida neste planeta de sombras ilusórias; sincronicidades espantosas de percursos decorridos em aparente distância que, no entanto, identificavam duas almas afins que haviam convergido lá atrás numa breve dança de luz fadada a se ocultar no jogo de sombras avassalador da existência humana.

 

Mas hoje, assim que abri a janela e debrucei no parapeito de mármore, olhando o começo de outono nublado e fresco que vem amenizar os tormentos de um verão incendiário como nunca visto, quanto foram os fatos vividos recentemente, de modo irresistível a memória veio!

 

E resgatei, por puro instinto espiritual, o momento precioso que na época, por inexperiência, não soube entender e valorizar em toda a sua dimensão. 

 

Aquele garoto lourinho sentado ao meu lado - parecia, na época, um anjo, os grandes olhos verdes me observando enquanto eu soluçava, com uma preocupação que só hoje, apenas mais recentemente, entendi lúcida - ele abriu de supetão as esquadrias e pediu:

 

- Olha, olha lá pra fora!...

 

Técnica mística? Pois, com tão pouca idade, já era um iniciado em certos mistérios...

 

Maturidade espiritual, uma alma de fato antiga, como sei que era, e é?

 

Evolução trazida de outras vidas?

 

Com certeza uma combinação de todos esses fatores, mas a verdade foi essa: o que fez surtiu um efeito mágico, um apaziguador instantâneo que, em segundos, me sustou a crise. 

 

Lembro de espraiar, surpresa, o olhar no vasto cenário urbano à frente - e o que se produziu foi que o meu ser genuíno saiu da reclusão impiedosa do momento transitório e desaguou minha consciência numa expansão espontânea que me devolveu a real perspectiva do ser, sustando, quase de abrupto, a crise sofrida de soluços.

 

Resgatou meu espírito, num único instante, da pequenez de tudo que passa, de volta para a extensão infinita, eterna, de tudo que eu era, e sou!

 

De que todos somos!

 

Desempenhamos um turbilhão infinito de rostos no fluxo incessante dos rios dos acontecimentos, mas o nosso ser real presencia tudo de mais além!

 

Do sereno e pacífico Oceano que somos!

 

Obrigada por aquela chave do Despertar!

 

Obrigada para sempre, querido "Joaquim"!

 

Sigamos...

 

 

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 20/03/2025
Alterado em 20/03/2025
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