![]() NA TRILHA DE LUZ DO CACHIMBO
Aconteceu no ano passado ou retrasado, não tenho mais certeza...
É difícil um marco temporal quando se vive no domínio da eternidade.
Ao retomar contato com o pessoal do ICMBio, eu sabia de algum modo que mais de vinte anos desde a última trilha de montanhismo não teriam passado sem cobrar seu preço.
No entanto, mesmo assim fui. Porque conexão com a natureza é o ar mais importante que respiro no exercício do equilíbrio holístico.
Assim, trajada devidamente com botas, colete, luvas, sacolas e chapéu, me embrenhei mata adentro no Parque do Grajaú com um bando de gente altruísta como elfos diligentes e felizes, no esforço de coleta de lixo e de saneamento sanitário do lugar.
Não cabem aqui as particularidades dessa empreitada porque o foco da narrativa é outro.
O foco da narrativa é um cachimbo.
Conforme evoluía a coleta de detritos, entre dezenas de perigosos cacos de garrafas quebradas, papéis e dejetos variados, era impossível não dar conta dos inumeráveis remanescentes dos trabalhos religiosos. Cacos de alguidar para todo lado. Garrafas. Restos de velas...
E havia um cachimbo.
Um único, sobre a base de um tronco de árvore.
Recuado, solitário.
Instintivamente, olhei aquele cachimbo e recusei pegar. Deixei onde estava. Porque, do mesmo modo como instintivamente sempre respeitei trabalhos arriados em esquinas de ruas por onde passo, me causava incômodo crescente ter que desalojar, com a presteza observada no grupo numeroso de ambientalistas em trabalho frenético de limpeza daquela floresta, objetos que ali estavam num contexto certamente pouco considerado por muitos.
Assim, e outra vez movida por instinto, ou talvez e mais certamente por inspiração, assoprada pela vida invisível rica daquela mata, toda vez que retirava um resto de alguidar para a minha sacola me desculpava, e pedia licença ao destinatário daquele ofertório.
Só isso me permitiu agir com maior leveza de iniciativas e movimentos, desajeitada e ofegante como um camelo sem água num deserto pela falta de forma física - e embora ainda derrapando numa pedra de cachoeira escorregadia, num tombo horroroso, que, escabriada, preferi atribuir ao solado errado da bota que escolhi usar para a atividade, antes de sair de casa.
Assim, ia recolhendo, entre papéis e detritos vários, aqueles restos de cerâmica, de velas, de garrafas de bebida, de dentro de um respeito contrito que, observado por alguém mais, talvez fosse incompreendido, mas carrego convicções inabaláveis sobre essas coisas com base em experiência mediúnica de décadas, das quais ninguém me desaloja.
No entanto, a certa altura da atividade silenciosa, entre piados de aves e o farfalhar das folhas das árvores assopradas pelas brisas úmidas do lugar me detive, paralisada, diante daquele cachimbo marrom.
Ele estava graciosamente depositado sobre a raíz da base de uma árvore frondosa, recuado, como se protegido pelas sombras aromáticas daquele trecho da mata úmida.
Passei por ele duas vezes. E nas duas vezes o deixei lá.
Outra vez por instinto estranho ou, mais provavelmente, por inspiração de "alguém"...
Precisou decorrer o intervalo de muitos meses para que, chegando ao atual contexto das vivências difíceis que trasncendi recentemente, afinal compreendesse.
Devagarzinho, ao sabor de "coincidências" e "sincronicidades", como se saindo de um denso nevoeiro que me velava entendimento e visão sobre uma realidade antes apenas pressentida.
Como peça isolada de um quebra-cabeças muito mais vasto que me surgiu tempos atrás, a esmo, como se do nada e fora de contexto em minha casa:
a presença de Pai Antônio - o luminoso Preto Velho amparador da humanidade junto às falanges espirituais da Luz Crística, da Umbanda.
Aqui, deixo que o significado maior deste cenário que hoje me leva também a essa 'trilha espiritual do cachimbo' - agregadora das falanges do bem da Umbanda, das nações Iorubá, do idioma religioso sagrado Nagô - lhes explique o que só agora compreendo melhor, ao conviver mais de perto e mais lúcida, agradecida, com esta terna, humilde, sábia Entidade.
Ah! Sim! Enfatizo o termo 'agregadora' das falanges! Convergência! Antes que o povo que gosta de dizer "ser" isso ou aquilo venha me perguntar se agora 'sou' umbandista, se esquecendo que minha diretriz de vida é convergente de caminhos para o Deus único - fora, portanto, de toda e qualquer caixa!
O texto que transcrevo abaixo é retirado de informações recentes adquiridas na história deste ente de luz:
"NEGO FICA NO TOCO..."
Um pouco de história
(Livro A Missão da Umbanda - Norberto de Peixoto / Ramatis)
Publicado em 05/08/2020
Pai Antônio, o primeiro preto velho da Umbanda.
Naquele mesmo dia, o médium ( Zélio de Moraes ) incorporou um preto velho chamado Pai Antônio, que, em decorrência de sua fala mansa, foi tratado por alguns como uma manifestação de loucura.
O preto velho, proferindo palavras de muita sabedoria e humildade, além de aparente timidez, recusava-se a sentar à mesa com os presentes, dizendo: "Nego num senta não, meu sinhô; nego fica aqui mesmo. Isso é coisa de sinhô branco, e nego deve arrespeitá". Após a insistência dos presentes, ele pronunciou: "Num carece preocupá não. Nego fica no toco, que é lugá di nego".
E assim continuou, dizendo outras palavras que expressavam sua humildade.
Uma pessoa participante da reunião lhe perguntou se sentia falta de alguma coisa que havia deixado na Terra, ao que ele respondeu: "Minha caximba; nego qué o pito que deixô no toco. Manda mureque buscá".
Provavelmente deve ter surgido daí o seguinte ponto cantando de pretos velhos: "Seu cachimbo tá no toco, manda moleque buscar / No alto da mata virgem, seu cachimbo ficou lá", o qual, por essa circunstância, torna emblemática a presença dos pretos velhos na origem da Umbanda.
A solicitação desse primeiro elemento de trabalho para a nova religião deixou perplexos os presentes.
Foi Pai Antônio também a primeira entidade a solicitar uma guia. As mesmas guias são usadas até hoje pelos membros da Tenda, carinhosamente denominadas de "guia de Pai Antônio".
No dia seguinte, formou-se verdadeira romaria em frente à casa da família Moraes. Cegos e paralíticos foram curados. Todos iam em busca de cura, e ali a encontravam, em nome de Jesus. Médiuns cuja manifestação mediúnica fora considerada loucura deixaram os sanatórios e deram provas de suas qualidades excepcionais. _ Queridos, para finalizar esta narrativa, eu espero sinceramente que aquele cachimbo do Pai Antônio esteja ainda lá, ao pé da árvore no Parque Grajaú, respeitado.
Pai Antônio deixou lá!
E não creio que fosse eu o moleque que ele mandaria para pegar e devolver. Ao contrário.
Aquilo foi só um rastro da trilha de Luz!
Era Pai Antônio avisando que eu ainda o encontraria...
Como me disse outro dia:
que está sempre aqui, porque gosta de ajudar; e tem muitas histórias para contar!
Saravá, Pai Antônio!
Salve Oxóssi!
Salve, meu Pai Oxalá!
Christina Nunes
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 09/03/2025
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