Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


ASSASSINOS SOBRE RODAS

O artigo é contundente e há de desagradar a muitos. Pouco importa. Autoriza-o o direito à vida e a defesa da vida. E a vida é secularmente referendada.

A desculpa esfarrapada é invariavelmente a mesma - isto quando não há nem mesmo nenhuma desculpa, e sim uma confissão descarada e rotunda: - ah, os carros de hoje são potentes, leves, quando se vê já ganharam velocidade!...

E daí?! Para tanto existem freios. E leis do trânsito. E limites de velocidade nas principais rodovias do país, de maneira que o mais deficiente visual num grau imediatamente superior à cegueira total enxerga aqueles apelos contundentes e gigantescos em toda a extensão da Via Dutra, por exemplo, advertindo: 100 km/h; 80 km/h. "RESPEITE A VIDA. ISTO TAMBÉM PODE ACONTECER COM VOCÊ!"...

E tome, ladeando cada um destes aviso dramáticos, fotos em outdors, de tragédias dantescas nas pistas, e exemplares de carros literalmente esmagados e estraçalhados ao ponto de se tornarem disformes!

Mas só acontece com os outros. Afinal, o carro é potente, é zero, é leve, e pega velocidade rápido, e é seguro, e eu me garanto, e blá-blá... E tome recorde de mortes nas estradas de feriado para feriado, e acidentes que atingem, para cada uma destas datas, a marca dos milhares!

É a mais confessa e escandalosa demonstração da banalização da vida, galopante na inversão de valores presente nas mentalidades dos dias de hoje!

A culpa? A razão existente em todos os outros descalabros que assolam a realidade social do país. Leis frouxas. Leis brandas. De fato, é facilmente observável que talvez mais da metade dos veículos que varam as estradas em velocidade astronômica são carrões de primeira linha - e nem poderia ser diferente! Vá, portanto, perguntar aos respectivos donos que diferença faz para o seu poder aquisitivo avantajado despender cem ou duzentos reais numa multa modesta por excesso de velocidade...

Nada! - eu lhes afianço, caríssimos - Pois recordo, como se fosse hoje, a declaração na tv de uma mocinha descolada ao volante dizendo à repórter que não se importava; que avançava os sinais e corria mesmo... porque podia pagar a multa!

- Podem me cobrar! Eu pago!... zombava, irônica.

Zombava, caríssimos, não só da multa - entendam! O triste naquele deboche é que ali se via implícita a ironia não apenas para com a sua vida, mas para com a vida dos outros! E aí a coisa muda de figura!

No dia em que esses assassinos ao volante passarem a ser considerados com tais - como qualquer meliante que lança mão de uma arma letal contra a própria vida e principalmente contra a vida do próximo, de vez que direção não é lazer e sim responsabilidade, e que carros usados desta forma criminosa e irresponsável são - sim! - armas de igual ou maior poder homicida; no dia em que levarem a sério as leis neste país, bem como o legítimo valor da vida humana, e plantarem não cem ou trezentos reais de multa contra os autores destas infrações de trânsito, mas para mais de três ou quatro mil reais, com cassação sumária da carteira em caso de reincidência em casos mais graves; no dia em que houver um fiscal de trânsito sério para cada esquina, não permitindo que um criminoso sobre rodas abandone sua vítima idosa de atropelamento saindo à toda, ou avance um sinal sobre os pedestres em travessia sobre as faixas sem uma punição dura e justa; quando numa Via Dutra não aconteça mais de dirigirmos bem presenciando as loucuras alheias escatológicas que dificultam os nossos esforços e povoam, aos montes, toda a sua extensão, sem testemunha policial visível... Nesta data, talvez as estatísticas alarmantes de mortes nos feriados sejam reduzidas, senão a zero, a percentuais ínfimos!

Mas isto é coisa de primeiro mundo, para mentalidades de primeiro mundo - e nós somos de país de terceiro! O termo lhes parece clichê barato?! Que seja - e a verdade, meus amigos, é que será termo adequado à realidade das nossas mentalidades enquanto houver um só playboyzinho ou patricinha ao volante ameaçando as vidas alheias sob o beneplácito de pais irresponsáveis, e enquanto qualquer um de nós ache que basta ninguém ter visto aquele momento em que - em pleno dia! - um sinal foi avançado à toda impedindo a travessia dos pedestres à pretexto nenhum que não o nosso próprio, bestial e inconsciente egocentrismo!

Que o assunto seja submetido às nossas respectivas consciências...

Um feliz Ano Novo...apesar do novo recorde de mortes nas estradas neste Natal...

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 02/01/2008
Alterado em 04/01/2008
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