Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


NAQUELA SESSÃO ESPÍRITA...

 

Estava aqui outra vez lembrando de um caso hilário envolvendo sessões espíritas, contado por minha mãe muito tempo atrás. 

 

Numa sessão de mesa doméstica, em meio às evocações dos muitos circunstantes, um espírito visitante, aparentemente, se encheu da chateação de alguém presente perguntando insistentemente se ele poderia dizer onde, naquela casa, estava guardada determinada certidão, de que a pessoa em questão precisava.

 

Como ele já tivesse respondido ao menos umas duas vezes que o documento estava num armário, e a pessoa interessada insistisse em saber em qual armário, o espírito deu uma sentença final, e 'sumiu' do ambiente - com o perdão da redundância:

 

- "Estou cansado de falar neste assunto!"...

 

Pois lembrando disso hoje mais uma vez, enquanto me ocupava com as coisas de casa, fiquei entre rir da lembrança e me amofinar - por me sentir totalmente solidária com aquele espírito!

 

Porque também ando, volta e meia, cansada dessas "âncoras" existenciais, que não nos deixam ter sossego!

 

Onde estão as certidões?! As contas?!...

 

Já paguei a mensalidade?! Já fiz o IR?!...

 

Não acho o bendito livro! 

 

O casaco! 

 

A tal da carteira de vacinação!...

 

Cadê a identidade?! A certidão averbada?!...

 

Clonaram o bendito cartão de crédito! Cadê a fatura?!...

 

Onde enfiei aquele álbum com as fotos da viagem?! E o molho de tomate pra macarronada?!...

 

Esqueci de comprar mais detergente e água sanitária! E a esponja!...

 

Esqueci o aniversário do meu tio! E, pra cúmulo da vergonha, fui parar na casa dele, por outro motivo qualquer, logo no dia seguinte, e ainda sem me lembrar! Porque passei dois dias preocupada com a falta da ração dos gatos!...

 

Como se isso fosse desculpa...

 

Cadê aquela saia?!...

 

Seis panelas precisando ser lavadas olhando pra minha cara na cozinha!...

 

Bate boca sem fim sobre racismo e polarizações políticas em praticamente todas as páginas e sites da internet!...

 

Sabem? É por isso que, toda vez que lembro daquele episódio, e na hipótese desse visitante espiritual ser sério na época, me inclino a ser solidária a ele!

 

Imaginem...

 

O indivíduo, no caso de ser minimamente bondoso, está lá, no mundo espiritual, liberto, entregue a outros afazeres e a uma realidade existencial muito mais ampla, expandida, discrepante de toda a limitação deste mundo transitório....

 

Aí, é chamado a colaborar numa sessão espírita na esfera material... e depara logo com um encarnado obsidiando-o teimosamente sobre a localização de um documento que ele não tem condições, nem a mínima obrigação de saber onde está... afinal, certamente, onde reside então, em nada lhe interessa, ou lhe diz respeito o tal papel!...

 

Vem à uma reunião de evocação que mais lembra uma tenda de bola de cristal ou de cartomante, onde percebe que a motivação dos presentes é toda de ordem material - arena rasa, de competência de quem ainda tem a consciência enredada aqui - não de quem já foi!

 

E tome "onde está meu documento?", "e sobre o inventário?", "vou me casar com quem?", "qual vai ser o nome do meu filho?", e vai por aí afora!...

 

Toda a razão teve o espírito, diante da insistência insensata da pergunta, ao responder daquele jeito, antes de "desaparecer" da reunião:

 

"- Estou cansado de falar nesse assunto!..."

 

No lugar dele, talvez eu tivesse respondido o mesmo!

 

Também ando cansada de procurar e providenciar certidões, pratos e panelas limpas, de presenciar debates, polêmicas e bate bocas por um sem fim de questões pífias, e de mais um monte de outros assuntos áridos!

 

E olha que ainda nem desencarnei!

 

Assim, se um dia, quando já tiver ido, me convidarem para uma reunião bidimensional, só me perguntem sobre o paradeiro de algum documento em caso de vida ou morte!

 

Ou responderei igual ao espírito - e ainda sugerindo que o interessado se vire para localizar! Que use o tempo aqui para aprender a ser mais organizado!...

 

Coisa que, honestamente, ainda estou longe de ser!

 

Mas quem sabe um dia deixe de existir certidões!? Assim, não desaparecerão mais nos armários das casas levando participantes de sessões espíritas aleatórias a atormentar os habitantes do invisível com estas questõesinhas cacetes...

 

...e nem eu nem ninguém deixaremos de viver e de existir por não ter mais uma montoeira de papéis para provar que nós somos nós!

 

Ao café!....

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 28/05/2022
Alterado em 28/05/2022
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