Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


SEM CARROS, MAS FELIZ!...

A esta altura da vida ainda não tenho carteira de motorista. Uma vergonha, segundo alguns; sinto nos seus olhares um algo qualquer de acusação fulminante, uma qualquer coisa condenatória que diz: "numa cidade como o Rio de Janeiro, uma mulher que não sabe dirigir?! Com família e filhos, com o risco de, nalguma necessidade fortuita se ver em apuros, por pura comodidade?!...

Reconheço isso tudo! Mea culpa! Já houve, de fato, ocasião em que tive que me bandear de casa à toda de madrugada, com um dos dois filhos bebê, apostando na proteção espiritual e no motorista do táxi para uma corrida tranqüila até o pronto-socorro infantil mais próximo, em ocasião de plantão de trabalho do meu marido. Já houve outras noites em que alguns anjos da guarda em forma de parentes consangüíneos não me deixaram na mão, no momento de aflições parecidas. E, ainda assim, não me meti na auto-escola para aprender a dirigir! Depois de ter tentado duas vezes, no decorrer dos anos, com um rendimento elogiável!

Reconheço tudo, pois! Não tem perdão! Acho que os parentes e os protetores espirituais têm que começar a me deixar na mão para que eu tome jeito e faça o que deveria fazer!

Mas, não sei porquê, não sinto desse jeito - que deveria fazer nada! O Rio de Janeiro possuí um dos trânsitos mais violentos do país, com índices alarmantes de acidentes em épocas de feriados prolongados. Alguma coisa em mim... algum instinto de sobrevivência me segreda que é melhor que eu me mantenha inteira para os meus filhos, sem saber dirigir, do que eventualmente estropiada sabendo...

Pode ser exagero...apenas um risco; ou desculpa, que o subsconsciente forja para justificar a minha pusilanimidade. Mas é que o risco, aí, é alto demais e, creio, a esta altura da vida me paralisa as iniciativas. Assim como me tornei frouxa, com o passar dos anos, para aqueles brinquedos neuróticos dos parques de diversões, que hoje em dia se esmeram em jogar todo mundo numa catarse de pânico - arremessando, chacoalhando, despencando com as pessoas do alto de montanhas-russas doidas, de túneis aquáticos e de quedas livres suicidas, de carrosséis que mais lembram um tornado assassino - também me inibe, no caso do trânsito, a alta dose de adrenalina inerente à taxa avantajada de probabilidades de acidentes, assaltos, engarrafamentos, estresses entre os motoristas em si, maus motoristas que comprometem todo o desempenho bem intencionado dos bons, entrando em jogo aí, inclusive, o próprio risco de vida... e vai por aí afora!

E, como disse, eu tenho filhos. Não sei... sempre julgamos que determinadas coisas nunca acontecerão conosco, mas na dúvida...prefiro me manter viva e inteira para eles! E continuar dependendo do meu marido para viajar e sair...

Já sei! "Que coisa mais arcaica e infame, injustificável para a mulher de hoje em dia"! Já sei, caríssimos, que muitos devem estar lendo e pensando isso!

É que me veio a mente escrever sobre este assunto em virtude do tal dia mundial Sem Carros, a respeito do qual assisti ontem a matéria no noticiário e li algo hoje pela manhã. Quis enaltecer a iniciativa. E me pus a refletir sobre ela.

Pelo menos num dia das nossas vidas, a ausência de barulho e da poluição crônica das nossas ruas. Sem stress. Com as vias mais desobstruídas. Mais tranqüilidade no percurso até o trabalho. Imaginem... Fiquei pensando o que seria, num dia desses, todos andando a pé, ou saindo de bicicleta (como, aliás, é comum em países como a China).

Acho que o clima de tranqüilidade maior numa tal contingência favoreceria que as pessoas prestassem maior atenção umas às outras. Pensem se o tumulto, o caos provocado pelo trânsito não sobrepõe, de maneira lastimável, as máquinas ao homem, ao ser humano em si, que se diluí na atmosfera extrema e insuportável de stress e de desassossego dos nossos dias nas cidades grandes!

A ausência maior de ruídos enervantes - buzinas, motores, de mistura com o tumulto natural nas ruas - com certeza, nos desviaria o foco da atenção para aqueles que nos rodeiam. Talvez, a partir disso, novamente a noção maior de valorização da vida. Mais atenção aos sorrisos, à necessidade de gentileza, às vozes humanas, à própria atitude saudável de se andar um pouco para desemperrar as articulações, durante um dia de sol...

Penso que deveria se tornar um hábito, criado inclusive por lei. Alguns dias por ano sem carros! Que se mantivesse, para efeitos práticos, apenas os transportes coletivos. A meu ver, os efeitos só seriam benéficos.

Ouso sugerir que se permitam, todavia, apenas refletir silenciosamente sobre o assunto, que talvez lhes pareça, numa primeira análise, uma utopia fugaz...assim como a muitos soa utopia que alguém, como me acontece, ainda resista teimosamente a tirar uma carteira de motorista.

De resto, a mim sobra o consolo de não ser a única...

Abraços a todos.

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 22/09/2007
Alterado em 22/09/2007
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