Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos




INDEPENDÊNCIA DE QUÊ, MESMO?!


Confirmo, por já haver vivenciado durante um acidente de ônibus.

Diz-se que em situações traumáticas, em tragédias ou acidentes graves, em muitas vezes a vítima não sente dor, em decorrência da descarga violenta de adrenalina no sangue, uma defesa natural, agindo como anestésico para atenuar o sofrimento físico.

Senti na pele. Há muitos anos, um ônibus no qual estava sentada na primeira cadeira investiu com força brutal contra um carro de passeio que freiou de repente. Fui literalmente arremessada, com bolsa e tudo, contra o vidro dianteiro. Bati, caí na escada da porta de acesso. Atordoada, perdi a consciência por breves segundos, e quando dei por mim, estava acomodada naquela cadeira batizada antigamente, com humor, de "Jesus Cristo chama", a primeira de todas, isolada a um canto. Circunstantes me acudiam, em meio a um falatório e gritaria infernais. Uma advogada instigava-me com teimosia indignada a ir primeiro a um hospital, e depois a uma delegacia, para depor contra o motorista. Mas, perturbada, e no auge do susto, tudo o que quis foi ir embora, e sair daquele caos!

Não sentia dor, incômodo físico, nada! A única dor presente era na alma e no estado emocional convulsionado. Todavia, no dia posterior, ao acordar, para meu susto, despertei me sentindo arrebentada da raíz dos cabelos até a ponta dos dedos dos pés!

Toda esta digressão para estabelecer um paralelo com este dia sete de setembro, onde os tumultos já acontecem em todas as cidades, com pancadarias em meio aos desfiles, passeatas e manifestações, mais ou menos turbulentas.

A sociedade brasileira, por décadas, aparentou estar anestesiada, como fiquei naquele acidente, por tremenda descarga de adrenalina coletiva que lhe amenizou os efeitos das agressões sofridas ao longo do tempo contra o seu bem estar e dignidade. Condições mínimas de subsistência, direitos inequívocos do cidadão, eram sistematicamente negligenciados por autoridades políticas e instituições governamentais, em meio a um mar de lama, anualmente renovado, de fatos envolvendo corrupção, desvios de dinheiro, sucateamento dos serviços básicos devidos à população, que resultou na falência gradual dos sistemas de educação, de segurança e da saúde pública. Emprego e moradia digna se converteram em frentes de combate diário para os brasileiros.

Todavia, a dor coletiva era tanta, e tão sistematicamente renovada a cada hora de nossos dias, que, afinal, restou aparentemente indolor!

Em estado de letargia, ninguém parecia mais se importar, ou expressar indignação pelo crasso descaso com que via seus direitos sendo vilipendiados, ano após ano. Ainda porque, ao que tudo indicava, os paliativos habilmente administrados pelo poder estabelecido pareciam surtir efeito por prazo indeterminado: Copas do Mundo, ídolos do fubebol, mulheres de corpo escultural revertidas em ícones - antes, estigmas - da imagem do Brasil no exterior; praia, samba, carnaval, cerveja, durante muito tempo mascararam a nossa realidade não somente lá fora, mas, sob os efeitos à moda da adrenalina biológica, também mantiveram o povo inerte em seus respectivos contextos diários, devidamente adormecidos sobre o incômodo indigno de suas rotinas cotidianas.

Só que agora, com o fenômeno das manifestações, ainda indecifrável em suas nascentes pelas autoridades e estudiosos sociais e políticos no Brasil e no exterior, enfim, como me aconteceu naquele acontecimento já distanciado, o país aparentou acordar, sob o acúmulo já intolerável do desassossego, do sofrimento, do desrespeito em vários níveis, com que foi tratado durante todos estes anos!

E foi às ruas! E continua indo às ruas, ainda, agora, neste sete de setembro de um ano que marcará, com consequências imprevisíveis, a história do país!

A dor - e é tanta dor! - atingiu patamares intoleráveis!

Então, amalgamados de cartazes, gritos de ordem, pancadaria e violência em outras frentes mais exaltadas, cada qual, cada grupo expressa a sua indignação pessoal tisnada de suas próprias cores, sentimentos, ideologias!

Tumulto e desnorteamento! Era de se prever - e era tão óbvio de se prever!...

E, no entanto, muitos se fizeram que não previam, ou que não entendem; e tome prisões, agressão gratuita da polícia despreparada para conter ou lidar com manifestações de massa desta magnitude, inéditas no Brasil! E tome prisões corretas misturadas às inúmeras arbitrárias! E tome inocentes feridos, e mais indignação, mais revolta, mais confusão e desnorteamento! E, em meio a toda esta confusão, a OAB faz uma linha de frente, antecipando as consequências funestas inevitáveis praticadas pelo despreparo das autoridades de segurança, e decorrentes do abuso de poder!

E o processo efervescente na nação se avoluma, e, a princípio, com políticos e autoridades perdidos em iniciativas eficientes, e já tendendo a cozinhar em banho maria até mesmo a hora crítica que o país atravessa, nada se resolve, nada se decide, nada se concluí!

Medidas sem conta são tomadas, e revogadas em contínuo! E a população exaltada, tendo os jovens das redes sociais, inéditos em seu modus operandi, diferente dos padrões de revolução social do passado, tomando a frente da linha de batalha, invade de novo as ruas, em contingentes ora pulverizados, ora mais concentrados!...

E ninguém sabe onde toda esta conjuntura caótica irá nos levar!

Minha dúvida recorrente, neste dia de significado também já letárgico nos meus sentimentos patrióticos e percepção de vida, é: fomos, de  fato, independentes neste sete de setembro longínquo? Somos, hoje, independentes? Mas, independentes de quê, ante o quadro tumultuado dos dias atuais?!

Somos independentes da corrupção generalizada que grassa nos patamares políticos mais altos do país?! Somos, afinal, independentes da falência educacional desastrosa, de norte a sul?! Da falta de segurança em nossas ruas, da realidade brutal dos nossos presídios e casas de recuperação de menores infratores?! Somos independentes da situação de desemprego, e da desonestidade de índole e de caráter que nos faz reclamar de autoridades, todavia avançando sorrateiramente os sinais fechados de ruas sobre pedestres atravessando corretamente nas faixas de trânsito?! Somos independentes, meus amigos, da nossa responsabilidade individual, com que talvez estejamos concorrendo para o quadro deprimente que se observa para todo lado em nossas cidades, estados, e bairros?!

Será, respeitáveis autoridades sociais e políticas, que o Brasil estaria invadindo as ruas, na culminância de um processo corrosivo que lhes infecta, de há décadas, a dignidade e a cidadania, se possuíssemos tudo funcionando como se deve, com direitos e deveres equilibrados e bem cumpridos do mais alto ao mais baixo escalão da sociedade - se fossemos, enfim, um país de primeiro mundo, habituado a respeitar, e a exigir respeito, em consequência?!

Que ainda venhamos - de futuro! - a celebrar um sete de setembro autêntico, e não somente das aparências, que durante um longo tempo quiseram nos fazer acreditar como reais!...
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 07/09/2013
Alterado em 07/09/2013
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