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"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


HOMENAGENZINHA

No Dia Internacional da Mulher, permitam-me fazer uma homenagem especial; uma pequena homenagem, de acordo; uma homenagenzinha.

É homenagem inusitada e fora dos padrões, para alguém que passa o dia todo cantando; que corre na minha frente alegremente para forrar a cama – coisa que, na correria da manhã antes da saída para o trabalho, confesso, não corro mais para fazer alegremente; que monta rapidamente, diante da minha boca aberta, um complicado quebra-cabeças que, na sua faixa etária, deveria mesmo ser um “quebra-cabeças”; que, inesperadamente, se acomoda ao meu lado na cama, durante o descanso de uma tarde modorrenta de domingo, para contar que “vai aprender a fazer um monte de comida gostosa” – e vai enumerando: “Um feijão, um bifinho, um bolo, e uma farofinha gostosa pra mamãe, e pro meu irmãozinho também, porque ele não pode ficar com fome...”; para alguém que me oferece alternativa melhor, durante a novela das oito, quando me impede de ver a novela das oito, ao se plantar de repente na frente do televisor para cantar e dançar a música da Ivete Sangalo, que ensaiou há seis meses atrás na escola, e que, na hora agá, não cantou nem dançou: “Ganhar seu coração; com muita emoção; levantou poeiraaa...”; que percebe como ninguém quando estou triste e desanimada, para vir com a pérola: “não fique assim, mamãe; eu estou aqui. Vou cuidar de você!”; e que diz, toda orgulhosa: “ Falei com o Papai do Céu que escolhi você!...

Tudo isto numa idade em que eu mesma, no máximo, brincava com bonecas e acreditava em Papai Noel. Aos quatro anos apenas, me desarmando ao preencher minhas eventuais carências afetivas como talvez nenhum adulto conseguiria; me desconcertando ao me puxar para deitar em seu colo no sofá “para fazer cafuné” – naquelas perninhas pequenininhas, que saltam e correm alegremente pela casa, e pedalam no velotrol. Mal tenho coragem de aceitar o convite e deitar ali, abusando do meu peso de adulta e de tanta abnegação daquele coraçãozinho amoroso.

Aos quatro anos – aquela mulherzinha de um metro e pouco também brinca de bonecas como eu brincava, e joga conosco, e vê desenho animado, como eu via – com muitas e desconcertantes mudanças de comportamento em relação a outras épocas, àquele tempo em que ter quatro anos significava ser criança de quatro anos em décadas diferentes, com realidades e exigências diferentes.

Talvez por isto Clarinha não tenha o saudoso e onírico mito do Papai Noel. Presentes que surgem de um ser de outro mundo, mágico, conseguindo visitar todas as crianças numa só noite, sem nenhuma explicação plausível para o fato de que algumas muitas ficavam de fora – mistérios da economia doméstica, compreensíveis apenas pelo universo adulto. Mas este universo adulto e suas dificuldades permaneciam inacessíveis às crianças daqueles tempos – então, era-lhes permitido sonhar, era mais fácil: Papai Noel e Coelhinho da Páscoa viriam. Era tudo que se sabia, e, para aquela época, o que convinha aos pequenos saber.

Mas, às crianças do nosso tempo, talvez importe outras prioridades, outras urgências. Parecem nascer prontas para os desafios. De olhos abertos (antigamente ninguém nascia com os olhos abertos), talvez num indício do estado de alerta característico das gerações de hoje, em dias nos quais importa aos pequenos saber de cabeça o telefone do trabalho dos papais para o caso de qualquer emergência, o nome todo do papai e o da mamãe; quando com três anos já sabem se vestir sozinhos, porque o tempo é curto, e tudo é pressa, o próprio dia-a-dia, na proporção direta da avalanche de informações que os atinge desde cedo, numa velocidade excessiva, que parece insuficiente para o que julgamos da sua capacidade cognitiva. No entanto, nós, os adultos, esquecemos de reparar que muitas vezes nem mesmo chegamos a ensinar-lhes estas coisas: de repente, já sabem, já fazem, já falam, e já nos surpreendem...

Como me surpreende a minha mulherzinha de um metro e pouco, que parece ter optado por não crer n’algum Papai Noel, mas por ser um – uma linda e mágica filha Noel, me levando a acreditar novamente, de uma estranha forma, e nesta fase da vida, que um mundo mágico e imprevisível realmente existe. E esta mulherzinha de um metro e pouco é a prova viva disso. É, portanto, para ela - e só para ela - a minha homenagem, neste Dia Internacional da Mulher. 

Obrigada, minha filha, por ter vindo enfeitar ainda mais o meu viver!

Com amor,
mamãe Chris

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 08/03/2007
Alterado em 08/03/2007
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