Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


TSUNAMI DE LIMONADA

Fazia tempo que eu não me encorajava a encarar. Mas hoje, por questões de economia de tempo, não me sobrou alternativa: usar o metrô na viagem de volta para casa - e de maneira também de há muito não experimentada, que é viajar no tal do vagão feminino, criado pela Rosinha...

Vagão das seis horas da tarde lotado, como era de se esperar! A administração do Metrô Rio, talvez por razões de ordem econômica ou outras, não se convence de que o único intervalo que funciona, entre os trens, neste horário, é o de dois minutos, para dar vazão à avalanche de gente que se desloca de volta para casa saindo do serviço. Assim, insistem no intervalo de quatro minutos...e tome costelas quebradas, asfixia, empurrões, xingamentos, cotoveladas, brigas, bolsas presas pelo lado de fora que impedem o trem de sair por travamento da porta, suor, ranger de dentes, mal humor...a inalterável lei da física, que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo, escandalosamente afrontada!

Assim, respirando fundo, ignorando estóicamente a indignidade das condições de viagem (piores que a de um rebanho! Já vi rebanhos viajando em caminhões na estrada. Cada qual tem o seu compartimentozinho engradado, que não é invadido pelo outro viajante, o espaço físico do boi garantido...um luxo!), tomei coragem e fui entrada no vagão já lotado, pela massa impaciente. Uma senhora forte, forçando a barra para além do admissível, e entrando por último, sob questionáveis pedidos de desculpas, acabou de vez me convertendo em panqueca, e obrigou-me a olhar para o teto - pois não havia mais para onde olhar, que não para o rabo de cavalo da mocinha à minha frente, em quem me colava dianteiramente, ou para braços e ombros renteando o meu nariz nas laterais.

Então, olhei para cima. E só aí me dei conta: o carro feminino estava estranhamente decorado!

Umas quatro paradas depois, na estação Estácio, o martírio diminuiu de intensidade. É a conexão com a linha dois, onde invariavelmente metade dos viajantes desce, embarcando para destinos outros da cidade. Foi quando, finalmente, o espaço vazio do carro se apresentou ao meu olhar exausto, permitindo que eu notasse os limões...

O vagão inteiro estava enfeitado de limões! Merchandising de uma certa marca de shampoo e condicionador que aqui não vem ao caso. E fiquei olhando para aquilo, alquebrada, e meio que apatetada: limões no chão! Limões no teto! Limões nas laterais todas do carro, sobre um fundo branco!...

Uma mulher em conversa com outra à minha frente comenta que, com aquele calor todo ali dentro, melhor seria que servissem limonada, pois aquele festival de limões para todo lado acentuava a sede. A amiga que a acompanhava foi a única que riu. O restante - entre as quais me achava, esbagaçadas de cansaço e amarfanhadas até à alma - não esboçou reação.

Do lado de fora, sempre que se abriam as portas a cada estação, notei que os homens passavam olhando para dentro de olhos arregalados, para a cena bizarra! Parecia que viam algum ET; e, de fato, o quadro era risível! Um monte de mulheres acuadas em carros destacados do corpo de trem, com ar certamente exaurido, de pé, ou sentadas em meio a milhares de limões pra todo lado!

"Vagão das mulheres. Respeitem. Respeito é bom e elas merecem!" Reza o alerta do Metrô Rio volta e meia nos auto falantes internos, nos vagões ou nas próprias estações!

Respeito...Um monte de limões pra tudo quanto é lado, e eu com aquela cara de retirante de guerra maltrapilha?! Sabem de uma coisa?...

Prefiro intervalos mais curtos entre os trens, ou um número maior de trens a serviço nos horários de rush, para ao menos poder me sentar ou viajar sobre os dois pés (nem sempre é possível - não é piada!)

E quanto à alegação usada na época como justificativa para a criação dos tais vagões...prefiro que se melhore o nível de educação do povo, para que muitas mulheres não precisem viajar massacradas num carro feminino grotescamente enfeitado, como se debaixo de uma tsunami de limonada, a fim de escaparem de obscenidades e de beliscões, e de aturarem outros gêneros de surtos animalizados de alguns homens esquisitos viajando nos carros comuns do Metrô!...

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 28/02/2007
Alterado em 28/02/2007
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