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"Estar no mundo sem ser do mundo"

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O REI DO INVERNO


Bernard Cornwell é um autor inglês que atualmente se dedica a colecionar mapas e pesquisar sobre conflitos militares famosos, conforme consta na breve biografia de orelha de capa deste livro sobre as crônicas do rei Arthur. Seu estilo, logo à primeira olhada, é castiço, objetivo, e despojado dos enfeites característicos da literatura romântica.

Não obstante, narra de maneira extraordinariamente envolvente. A obra, um respeitável volume de 544 páginas, tem a capacidade de prender do início ao fim o leitor afeito ao perfil das sagas épicas, com indubitável facilidade. Isto é ponto pacífico numa narração feita a partir da ótica de um dos subordinados de Arthur, pretendendo-a completamente despojada dos resquícios inerentes às tradicionais lendas mágicas sobre a Távola Redonda, os Cavaleiros, Merlin, Morgana, Guinevere, e todos os personagens a respeito dos quais, com o passar dos séculos, os admiradores das aventuras do rei bretão aprenderam a venerar e cultuar, muitos dos quais mesmo obsessivamente.

Todavia, desde que este leitor se veja disposto a abdicar com facilidade do secular fascínio romântico característico da lenda. E, sem exageros, a deixar ruir os ídolos, no que se relaciona a vários aspectos!

Confesso que não componho este número. E, indo mais longe, em especial penso que o autor tem alguma prevenção pessoal contra Lancelot, o pragmático quanto sombrio mestre de armas, e primeiro dos Cavaleiros de Arthur. Porque, com o devido respeito, e sem entrar no mérito das aludidas pesquisas exaustivas que fizeram reputar esta obra como a mais fiel à história real de Arthur dentre todas, não concebo como Bernard Cornwell tenha acessado elementos suficientes para transmudar o carismático herói, um dos principais da Távola, em talvez no mais absoluto e confesso patife!

Devo ser um tanto suspeita para comentar quanto a este particular, é possível, e isto por uma razão que confesso bastante subjetiva. Do pouco da história de Arthur e de seus Cavaleiros que pude acessar até hoje, via filmes e livros, Lancelot foi o Cavaleiro que mais me apaixonou. Deste modo, vi-me, gradativa e positivamente, indignada, a medida que lia, ao ver o autor, de modo impiedoso, inexorável, apresentar o carismático Cavaleiro do Lago como um falso guerreiro, covarde, a quem Arthur provavelmente considerava imerecidamente (e vai aí uma contradição difícil de se engolir, tendo em conta o pacto de irmandade cantado em verso e prosa entre os dois personagens!);  que, mais, nunca realizou nada pelo que ganhou fama! Como um filhinho da mamãe empatuado e envolvido em intrigas com seu meio-irmão, Galahad - outro desmistificado implacavelmente pela sanha realista do autor, de quem despojou do perfil gentil da tradição para apresentá-lo chato, rixento e açucarado.
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Por fim, e como se insinua por alto, Lancelot comparece, surpreendentemente, como alguém com a sexualidade questionada, já que é descrito como um vaidoso empatuado da própria e excessiva masculinidade - e talvez que também interessado em meninos! - algo assim como um Leônidas da Idade Média misturado com os característicos de promiscuidade de um Nero. De resto, envolvido, subrepticiamente, com Guinevere, por sua vez apresentada como uma mulher orgulhosa, calculista e dissimulada.

Tudo isto termina por, aos poucos, ir criando no leitor afeito e habituado ao conteúdo encantador das lendas mágicas de Avalon uma grande e inevitável aversão por personagens que, em filmes e em livros, aprendemos a admirar, alimentando os nossos sonhos com as aventuras múltiplas descritas sobre Arthur e os seus Cavaleiros.

Há uma passagem em que, por conta de um desentendimento banal durante uma refeição, na presença do rei, Lancelot toma uma sova humilhante justamente do narrador, incorporado em personagem bem mais moço, quase infantil. Lendo, fiquei pensando que se o mestre de armas de Arthur apanhava daquele jeito sem reação digna, deveria ter sido, antes, bufão do rei. Nunca um guerreiro!

Portanto, e sem querer estender demasiadamente comentários sobre um volume massivo como este O Rei do Inverno, e ainda considerando possíveis leitores que apreciam este estilo alegado como mais fidedigno, da ótica histórica, e talvez que pretensamente mais símile ao universo contextual de Arthur, afirmo tratar-se de um livro seco, pragmático - quase em preto e branco!

Há muitos filhos bastardos; muitas amantes, e ligações amorosas não convencionais. Descrições épicas e culturais competentes, detalhamento de batalhas, e mulheres fúteis, como Guinevere - justo de quem li, nalgum texto de teor arthuriano há algum tempo, ter sido, esta personagem, um enxerto que jamais existiu, criado por autores franceses que pejaram a saga de Arthur de elementos romanescos que se misturaram, com a passagem dos séculos e a partir da Idade Média, aos que podem mais razoavelmente ser considerados como reais.

Daí, por isto mesmo não consiga aceitar facilmente a feição romântica cantada em verso e prosa pela tradição, justo sobre a relação dela com Lancelot, talvez o mais frio e cético dos cavaleiros de Arthur. Um homem amalgamado de facetas sombrias ladeando, todavia, momentos de jovialidade, de beleza, de grande coragem e ternura.

É justo isto que, no mestre de armas de Arthur, desde sempre me apaixonou. Portanto, e nesta resenha, perdoem-me se me ative mais a ele do que a todo o gigantesco universo de acontecimentos e de personagens de Avalon, o que, diga-se, no espaço conciso de que dispomos não seria conveniente nem sensato.

Escrevi sobre esta obra da ótica de uma fã das crônicas arthurianas, do encanto mágico de Merlin, e de uma admiradora incondicional das bravuras dos Cavaleiros da Távola sob a liderança do legendário líder bretão.

Sobretudo, porém, do prisma de uma apaixonada por Lancelot, e de uma crente de que Galahad era um bravo e jovem idealista que, mais tarde, se empenharia na busca mítica pelo Graal.

Só que Bernard Cornwell desmorona por terra com todo o fascínio do conto de fadas! E isto, uma romântica incurável como eu jamais digeriria. Assim, os fãs de Arthur de meu naipe, penso, talvez que não apreciem a leitura.

Mas outros, quem sabe... por que não?... 
  




 
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 12/12/2011
Alterado em 13/12/2011
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