MERGULHO PROFUNDO
Muitas vezes me reporto às minhas viagens feitas à Ilha de Fernando de Noronha há pouco mais de dez anos atrás, para estabelecer certos paralelos e comparações. É sobretudo no intuito de ilustrar uma disposição, um estado de espírito perfeito, por assim dizer, que, quem nos dera, permanecesse inalterado, também durante todo o resto do tempo em que, metidos no nosso cotidiano, nos distanciamos destas vivências de conotação paradisíaca. E não me refiro aqui apenas às paisagens exteriores, mas principalmente às interiores. Sempre me recordo de que, enquanto me demorava naqueles cenários de beleza estonteante, repetia sem parar que lugares como o Rio de Janeiro assumiam conotação de sonho - pareciam mais uma mentira, uma impossibilidade! Uma impossibilidade tanto barulho; tanto stress; tanta fumaça; tanta aflição, preocupações, ansiedade no estado de espírito das pessoas...Porque, naqueles momentos, achava-me apaziguada e feliz. Diante de quadros naturais maravilhosos, quase inconcebíveis - mar azul turquesa, único; águas mornas, transparentes, convidativas ao mergulho de superfície ou de profundidade; noites inimaginavelmente estreladas; silêncio; paz; ventura...Em suma: o retrato que todos nós imaginamos de um bem viver, de um estado de alma pacificado, descontraído - um viver sem medos, sem apreensões. Andava-se de madrugada sem nenhum problema, sem nenhum temor de que, de repente, alguém nos saltaria em cima para algum furto ou ato agressivo... Somava-se a isso a disposição especial que me dominava o íntimo naquela época. Solta, relaxada, pronta para tudo; receptiva, descontraída...eu mergulhava nas vivências em profundo estado de receptividade, para o que desse e viesse; sem expectativas, sem desejos, sem cobranças...Admirava com êxtase tanto os bolsões de nuvens estrevistos da janela do avião até o simples atobá que se demorou a me fitar de cima de uma pedra na praia...Era um estado de gratidão profunda pela dádiva da vida, e por tudo que naquele momento me estivesse sendo oferecido... Penso que isto é se estar bem próxima de Deus. Lembro de que numa certa noite, deitada numa pedra enorme próxima ao mar, e tendo aos ouvidos somente a música mágica do ir e vir das ondas, e acima do meu olhar o infinito fantasticamente estrelado, proferi um comentário estranho: "Deve ser isto! Olhando para este céu, este infinito aí em cima, tenho a certeza de que deve ser isto a morte! Deve ser algo muito bom..." Quem me acompanhava concordou. Apenas os ventos e o silêncio responderam ao comentário. De algum modo aqueles instantes me transmitiram a convicção de que, quando mergulhamos na vida de maneira intensa, despojada, criativa, e em profunda aceitação e admiração das pequenas e das grandes coisas com que nos deparamos, nos aproximamos amavelmente dos seus ápices: do real significado da nossa passagem fugaz por aqui e do seu término - imergimos na maravilha incomensurável da vida e de Deus, dentro e fora de nós mesmos... Um excelente final de ano a todos. Que um mergulho profundo na vida lhes presenteie com as mais belas e inimagináveis surpresas, a cada dia. Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 23/12/2006
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