ESPERANÇA Aconteceu outro dia de eu quase impedir uma senhora, bem senhora mesmo, de ser atropelada, na hora em que chegava em casa, à noite. Era uma rua de movimento, e ela descia de um ônibus fora do ponto, como costuma acontecer quando motoristas adiantam ao mesmo tempo o seu lado e o do passageiro, em dias de engarrafamento infernal. Só que o motorista não soube bem fazer a coisa: largou a coitada no cruzamento, bem na curva, e, tão logo desceu a senhora, tocou o ônibus à toda! Bem na hora em que eu alcançava a esquina; de costas, não viu, a senhora, que o imenso veículo lhe tirava um fino, prestes a derrubá-la antes que, a passos lentos e cautelosos, chegasse finalmente à calçada. Não apenas eu acorri. Outros correram juntos, mas cheguei antes, e a puxei, decidida, pra calçada, antes que o pior acontecesse. Vieram os comentários embaralhados e irritados que sempre provocam estes imprevistos. Os demais circunstantes foram embora, e fiquei eu com a velhinha, feliz com o resultado dos meus esforços, e resolvida a escoltá-la, no fim das contas, até o outro lado da rua, para onde eu mesma ia. Mas ainda que não fosse, teria mesmo que acompanhá-la, tamanho o zelo que a cena inusitada me provocou. A senhora, educadíssima, agradabilíssima, desfez-se em agradecimentos, também exageradíssimos, já que qualquer mortal, qualquer ser humano dito humano numa hora daquelas faria o mesmo, até por um cachorro...Mas a pacata e dócil senhora queria agradecer. Assim, deu-me o braço e, enquanto a conduzia muito lentamente, porque muito lentos eram os seus passos, continuou se desfazendo em elogios e nos agradecimentos. Desviei-me, sem graça que já estava, e fomos conversando (logo notei o tanto que gostava de conversar); e ela foi me contando a sua vida: primeiro, o que a levava a estar ali, àquelas horas, sozinha; falou do neto, qualquer coisa sobre ter que buscá-lo; falou dos filhos; falou de um monte de coisas...Mas logo no início de tudo, falou o que mais me chamou a atenção: o seu nome - Esperança! Ora; eu vinha atravessando uma fase particular da minha vida que - dadas as circunstâncias que me diziam respeito, coisas muito minhas, - não sei porque, levou-me a interpretar aquilo como um eco, uma resposta qualquer da própria vida para mim. Já ouvira falar de pessoas chamadas Esperança, mas nunca antes encontrara alguma, em lugar nenhum, ao vivo ou por escrito. Aquela senhora simpatissíssima era a primeira. E ela me dissera o seu nome olhando-me de um modo que, nas sombras da noite - impressão minha, era bem provável - transmitiu-me algo sugestivo, como se me dizendo: "chamo-me Esperança. A sua Esperança!"... Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 02/09/2006
Alterado em 26/09/2006 Copyright © 2006. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. |