Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


BEM-TE-VI

Pra quê vou querer pássaros presos quando eles vêm espontaneamente à minha varanda todos os dias e posso vê-los livres, felizes, cantando e saltitando daqui para ali? E, mais que tudo, aprender com eles?!

Nunca gostei de ver pássaros presos!

Hoje pela manhã aguçou-me a curiosidade saber que tipo de passarinho é este, que diariamente, infalível ou em grupos, visita minhas jardineiras sob o sol da manhã. Eles têm um papinho amarelo e são pequenos. Cantam como eles só! Qual não foi minha surpresa ao consultar as imagens do Google e descobrir que são, nada menos, que os simpáticos bem-te-vi. Há montes deles por aqui, voando em bandos por sobre a rua onde moro e fazendo ninhos nas árvores, além das muitas maritacas verdes e barulhentas que alvoroçam, de tempos em tempos, a vizinhança.

Olhava para um deles com embevecimento hoje, quando pousava nos ramos do nosso pé de alamanda. Cantava sob o sol morno de uma tarde fria no Rio de Janeiro, como se pretendesse demarcar, ainda uma vez, o seu território, no pequeno jardim florido de minha residência. Observando-o, não tive como não me recordar de Francisco de Assis, e de sua inspiração e exemplo de fé na providência divina ao relembrar a máxima de Jesus mencionando os pássaros: Não fiam, nem tecem, e no entanto Deus os provê...

Fácil mesmo, observando estas pequenas criaturinhas, a constatação fática: porque talvez que dentre todas as criaturas de Deus, sejam, estas, as mais frágeis possíveis! Fiquei imaginando, durante o encantamento desta contemplação de hoje à tarde, que aquele serzinho minúsculo tem enfrentado soberanamente a força das intempéries implacáveis comuns aos nossos tempos de extremos climáticos. Tormentas, aguaceiros; excessos de calor e de frio... e, no entanto, saem imunes; abrigam-se de algum modo que mal me avio por imaginar! Alimentam-se, protegem-se, têm suas pequenas necessidades supridas; e o instinto de sobrevivência lhes vale como precioso norte!

Depois, infalível e diariamente, voltam à minha varanda, em número de dois, três ou quatro... cantando, piando, saltando de um galho para o outro - como se me oferecendo seu cumprimento diário, como se me dizendo:

- Está vendo?! Cá estamos nós, de volta! Mas por que cargas dágua volta e meia te encontramos com esta cara pensativa, meio melancólica, de quem gasta tempo demais se preocupando?! Por que fica se preocupando?! As coisas vão se resolver, por si mesmas!...

Por si mesmas!... As coisas haverão de se resolver!...

Mas nos preocupamos! Com contas. Com compromissos. Com o cansaço do trabalho diário. Com o futuro de nossos filhos. Com as dificuldades, e com os perigos inúmeros e hipotéticos do dia-a-dia!...

Com a saúde. Conosco, com os outros. Por quê discordam de nós?! Por que fulano ou beltrano agem desta forma pouco cordial para conosco?! Por que tanta canseira, tanto vai-vém diário? Qual o sentido? Qual o objetivo disso tudo?!...

Todavia, o que deve parecer mais inamistoso para um pequeno bem-te-vi do que um desses furiosos temporais que vêm se abatendo sobre o Rio de Janeiro em épocas de calor extremo? Solitários, aninhados fragilmente sobre os galhos das árvores, os bem-te-vi dependem inteiramente de que, a despeito das ameaças ferozes que os cercam neste imenso mundo de Deus e dos gigantes humanos, a natureza e a Criação, de algum modo, sejam complacentes para com eles! O galho não deve se partir, mercê de algum raio ou queda daquela árvore, em particular. Os filhotes devem estar bem protegidos dos ventos, contra alguma outra fatalidade lesiva à sua sobrevivência! Há que se conquistar o alimento de cada dia durante seus sobrevôos instintivos por sobre a hostilidade crassa do universo humano. Há que se desviar de carros, de aviões e de tiros! Sim, porque a bestialidade do homem ainda faz alguns caçarem, a conta de esporte, os delicados animais alados de Deus!...

Mas, a despeito de tudo, eles vivem, tanto quanto devem viver! Sobrevivem, vencem, e voltam!

Estou certa: é o mesmo grupinho alegre e irrequieto que, vitorioso, vem me visitar, todos os dias! Ciscam aqui e ali na terra úmida dos canteiros; beliscam o néctar das flores; brigam e brincam. Cantam bastante tempo... e voam, para destinos desconhecidos, para amanhã pela manhã retornarem... absolutamente despreocupados de tudo!

Bem-te-vi!...

É bem sugestivo!

Deus vê! O Criador, Divindade, Fonte Suprema, o que for... cuida de tudo - e nós, como os pássaros mais delicados, estamos inseridos neste amor, neste supremo cuidado! Dispomos, como eles, de todos os recursos para atravessar com valor o aprendizado de cada dia, por mais ríspido nos pareça num primeiro momento, assim como aos infantes devem aparentar impiedosas essas dezenas de letras e de símbolos com que se deparam, sem entender-lhes de pronto o sentido, no seu período de alfabetização! Mas de alguma forma passamos por tudo, e prosseguimos... prosseguiremos sempre! Afinal, recordem-se: quantas não foram as lutas e as vitórias do passado? As preocupações, as noites insones?!

Quando não, em caso de aparente fracasso, restou-nos a lição da seta preciosa apontando-nos sempre a opção de outros caminhos mais bem sucedidos; à esquerda, à direita; no sentido contrário de para onde nos dirigíamos - não importa!

Nunca! - Mas nunca mesmo! - estaremos, de fato, encurralados!

- Bem-te-vi - lembram-me as avezinhas, dos galhos perfumados dos meus jardins, sob o sol cálido da manhã fria de outono.

- Bem-te-vi - nos confirma o Pai, Magnânimo ante toda a Sua Criação, ao final de cada um de nossos piores ou melhores dias.

Uma ótima semana a todos!

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 06/06/2010
Alterado em 06/06/2010
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras