MALUQUICES SIMS
Foi bem como está retratado na ilustração acima, amigos!
Eu deveria ter me recordado do comentário de um dos meus primos, anos antes, sobre a forma como, jogango Sims (aquele jogo que lhe permite criar sua família virtual, casa virtual com tudo dentro, e, a partir disso, uma vida virtual completa, em todos os seus mínimos detalhes!), ele terminou fazendo uma barafunda, dando um comando errado na hora em que a sua casa pegava fogo e colocando os personagens para contar piadas até morrer torrados, ao invés de fazê-los correr para apagar o incêndio, e que foi assim que o jogo dele acabou!
Mas não! Imprudente, deixei-me seduzir pelo canto da sereia de uma conversa divertida que tivera com colegas de trabalho sobre o assunto dias antes. E, num acesso inconsequente de saudosismo, eis que durante uma tarde de fim de semana, sem nada melhor para fazer, meti-me a instalar o cd do Sims de meu filho no meu próprio notebook, para matar a saudade de algo que já conhecera e jogara muitos anos antes, na sua primeira versão - e que provavelmente larguei pra lá ante novidades inéditas - e, muito provavelmente, dentre outras razões, pra evitar ficar louca!
Sentei-me à mesa com minha curiosa filha menor colada ao meu lado e pegando no meu pé para que a deixasse brincar com o negócio um pouco. Instalei, e fui me deliciando, conforme o programa foi desfilando os recursos e o jogo se desenvolvendo.
Assim, criei primeiro a família - à moda da minha própria, com o casal o mais parecido possível comigo e com meu marido (escolhemos cada detalhe dos bonecos, desde a cor dos cabelos e olhos até o peso e as roupas), e com um casalzinho de filhos, uma criança e um adolescente. De tão parecidos, cheguei a me deter para contemplar a obra prima: pareciam conosco, de fato, com a vantagem que pude escolher um lugar campestre, e a casa de campo dos meus sonhos para a nossa residência!
Pois foi neste ponto que o negócio já começou a não prestar!
Eu não sabia como diabos se fazia para criar, mobiliar e assentar a casa no lote adequado, e, passadas quase duas horas naquela agonia, com minha filha já reclamando impaciente a meu lado e querendo por força assumir o controle do jogo em meio a uma infinidade de malcriações, terminei por me fartar e adiar a continuação do cansativo divertimento para o dia seguinte.
Dois dias depois, após a consulta devida ao manual e ao dono do cd, (o meu filho) enfim me animei a retomar a epopéia, embora com certa preguiça. Continuei do ponto onde havia parado: consegui, afinal, plantar a casa num terreno adequado, depois de entender que a família começava o jogo com uma certa quantia em dinheiro, normalmente pouca coisa, que não me permitiria, portanto, habitar a casa com tres quartos que, logo de início - pretensiosa que sou! - escolhi para a minha família virtual!
A agonia, no entanto, continuaria - e o que de início sugeria um divertimento começava a tomar ares confessos de chateação!
Havia que se mobiliar a casa. Mas aquela familiazinha recém formada era ranheta, e o adolescente criado, especialmente, rixento! Quando enfim punha cama para todos - embora, desajeitada, não conseguisse arrumá-las adequadamente no único quarto para os filhos disponível, situando-as de forma ridícula, uma colada do lado da outra - o rapazinho reclamão se recusava deitar para dormir na cama que lhe reservara! Gesticulava, raivoso, e queria por força tirar a irmãzinha menor da sua para ocupá-la, quando a menina já se achava lá, obediente, a sono solto!
De outro lado, o chefe da família só sabia reclamar que estava com fome, e eu ainda não aprendera direito como suprir a geladeira de compras. Novamente atenta a meu lado, minha filha advertia que a comida já se achava na geladeira, era só clicar para o boneco ir até lá e se servir. Mas foi nesta altura que dei um comando errado - e a boneca que no caso era eu, ao invés de ajudar a pegar o café da manhã, se pos a fazer malabarismo com as garrafas de bebida, bem em frente à geladeira!
Com isto o chefe de família brigão virou-se de frente para mim na tela e danou a dizer desaforos, cobrando que eu a retirasse de lá para que pudesse pegar a comida - o que eu não conseguia! E dei de rir, - de nervoso! - clicando freneticamente sem conseguir reverter a situação, desarvorada!
Mal me dava conta a esta altura, já com mais de uma hora naquele tormento, que o jogo já se via longe de ser um divertimento, provocando antes exasperação, agonia, desassossego!
Do meu lado, minha filha também já perdera toda a paciência. Reclamava e esbravejava! Chorando, levantou, indo até a varanda seguidas vezes, gesticulando, reclamando.
- Mamãe!! Deixa eu jogar!! Olha o que você está fazendo!! Vai matar toda a família!!! - e apontava, raivosa - Olha lá, mamãe!! Você não botou meu irmão pra dormir e ele dormiu no chão do banheiro!! E o meu pai está morrendo de fome!! Olha mãe!! Mas que droga!!!
E chorava! E eu, hipnotizada como uma maníaca, ou ria de nervoso, ou ralhava com ela, mandando que se calasse, estava tirando toda a minha concentração!...
E a coisa enervante prosseguia!
Por que me deixara cair naquela armadilha?!...
Esquecia de mandar as crianças para a escola quando o ônibus escolar parava, pontual, e em vão, em frente à casinha pra levá-las! Tentava mandar o insuportável chefe de família ler o jornal para arranjar emprego; mas aparentemente os bonecos são, até certo ponto, autosuficientes, porque toda vez ele se voltava, indolente, e me respondia: "Agora não! Em outra hora!" ... Esquecia de colocar algum pra tomar banho, o outro passava por ele e tapava o nariz, as mosquinhas voando em volta do infeliz, imundo!...
Esquecia de colocar outro para dormir e ele desmaiava no meio do chão da cozinha, ou dormia em pé! Outra ainda ia pegar comida na geladeira no meio da madrugada, e punha a bandeja no chão, porque eu não dera o comando para que se sentasse à mesa e comesse lá! A menininha irritante, de seu lado, com sobrecarga de energia porque eu não atentara ao ícone do entretenimento para a família, se punha a pular sobre a cama e berrar sem parar, feito uma histérica...
E eu ainda não conseguira tirar a boneca fazendo malabarismos com as garrafas de diante da geladeira!
O que era meu marido desistia de comer, quase desmaiando, e ia ele mesmo para o banheiro tomar banho...
Punha o casal para paquerar e eles me diziam que estavam era com fome (não lhes dera o almoço!), alegando que não queriam saber daquilo naquele momento. Algum vizinho batia, chamava lá fora, e eu não punha ninguém para atendê-lo; ele falava sozinho durante algum tempo e ia embora...
Minha filha chorava, fazia malcriações sem parar, exasperada. Eu ria e me irritava a um só tempo, impossibilitada momentaneamente de me desprender do suplício e simplesmente teclar no botão de desligar. Meu filho, ouvindo tudo de seu quarto, debochava horrorres das nossas reações!...
Depois de mais de duas horas metida naquela bagunça virtual, finalmente consegui acordar do hipnótico pesadelo e sair - creio que mais pela influência das malcriações de Clarinha do que pelo sádico efeito subjugante do jogo, propriamente dito. E desde então, há bem umas duas semanas, não tive mais coragem para entrar de novo!
Como a versão destes Sims fosse a de adulto, minha filha só se acalmou quando prometi comprar para ela a infantil - bem mais açucarada, educativa, relaxante! - o que cumpri, durante esta semana. Mas a minha família virtual ainda está lá; eu (ops, a minha boneca) ainda fazendo malabarismos com as garrafas; meu marido, talvez que já morto de fome; e o adolescente, provavelmente dormindo na cama errada da irmã, e esta vendo tv às tres ou quatro da manhã!...
Não crei mais coragem para me autoflagelar daquele jeito!
Ainda bem que a minha vida familiar real passa longe disso! Todos estão com a fome e com o sono saciados. Cada filho tem seu quarto com a cama arrumada num bom lugar. A casa está limpa, e as crianças têm ido à escola...
E eu, particularmente, não faço a menor idéia de como fazer malabarismos com garrafas de Coca-Cola!