Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


NATAL COM FECHO DE BOBO

Ceia familiar ótima como tem sido em todo Natal, graças ao bom Deus. Dia vinte e cinco, horas depois lá estávamos nos reunindo de novo no salãozinho do condomínio, alugado especialmente para as nossas festividades natalinas. Olho em volta em busca da minha comitiva e não vejo nenhum dos dois filhos por perto; então, em meio ao alvoroço das despedidas ao final do bota-fora, me afasto para rebocar do parquinho minha filha menor que sabia se encontrar lá, na companhia da priminha pequena, com meu marido ciceroneando as duas.

Ao retorno, um menininho morador do próprio condomínio, que se juntara voluntariamente às nossas comemorações de entremeio ao almoço de 25 de dezembro, acompanha minha filha e vem comentando comigo, enquanto voltávamos ao salão - não teria mais que tres ou quatro anos:

- Eu não sei ir sozinho aondo moro. Minha mãe e meu pai foram ao cinema e me deixaram aqui...

Não dava para acreditar nos próprios ouvidos!

Troquei um olhar assustadiço com meu marido e convidei o menininho a me acompanhar. E enquanto ele corria na frente com minha filha e a priminha, comentei em surdina para ele:

- Isto dá cadeia, sabia?! É abandono de menor! Como pode?!...

Ao que meu marido, tão estupefato quanto eu, mas também a esta altura preso da ressaca de dois dias de festejos, contentou-se em torcer a boca, amolado, mas não ao ponto de se permitir assumir a frente do problema. Tudo o que queria era voltar para casa, descansar, e pronto!

Mas eu não me conformei.

De volta ao salão, alvorocei todo mundo com a história.  Minhas tias, todas boas, de pronto somaram à minha as suas próprias e indignadas preocupações. E, entre comentários desencontrados, fizeram perguntas ao menino. O menino, por sua vez, se ofereceu para ir embora com o meu primo, pai da pequena que brincava com minha filha. Meu marido, apressado, já impaciente, dava a entender claramente que isto não  era problema nosso - "Anda! Vamos embora!" - repetia, amolado. Uma das tias, já dentro do carro e de saída, sugeriu: - "Leve até a portaria, pergunte lá! Eles devem saber onde o menino mora!"

De entremeio aos palpites e pareceres, todavia, a estupefação era geral. Desconhecíamos como podia, em pleno dia de Natal, um casal sofrer de um tal descaso praticamente criminoso para com um filho assim, tão pequeno, por mais o ambiente do condomínio, fechado e perimetrado por total segurança, pudesse não inspirar cuidados.

Minha filha falava de uma tal mulher que, quando o garoto juntara-se  a nós, supostamente estaria com ele, mas noutra direção diferente da qual o menino apontava justificando morar para aqueles lados. Demorávamos em impasse, sem coragem para ir embora, quando finalmente o marido de uma das minhas primas acatou a sugestão anterior, tomou o menino pela mão, e se prontificou a levá-lo lá embaixo, para indagar dos porteiros quem era e onde  morava. Enquanto isso, esperamos, embasbacados, em meio aos comentários desencontrados, vendo-o se afastar rua abaixo puxando o garoto pela mão, até que, coisa de cinco minutos depois, ele retorna, sozinho, rindo da nossa cara.

- Vocês não entendem nada de criança! - sentenciou.

E ante nosso olhar abestalhado, relatou o gran finale da situação estapafúrdia.

- Desci com ele e fui dizendo enquanto andava: escuta, menino, eu quero que você fale a verdade, entendeu? Onde você mora? Porque senão, está vendo aqueles dois cachorros ali, eles são nossos... vou soltar os dois em cima de você! Como é?! (Os cachorros, diga-se, eram dois poodles, e a última coisa que fariam, bobos que só, seria avançarem em cima de quem quer que seja)

Mas o menininho desconhecia este detalhe estratégico, bem como a cara de pau do nosso familiar, e assim, de dentro da credulidade dos seus tres ou quatro anos, foi logo dizendo, ressabiado:

- Não solta não, moço, eu moro ali, ó, no bloco tal, apartamento tal!...

O marido da minha prima o levou lá, tocou a campainha. A mãe do menino atendeu ao interfone, confimou que o menino morava ali mesmo; abriu a porta. O menininho de uma figa entrou, acabando com a história e com o nosso sobressalto.

Foi este o fecho de bobo do nosso almoço de Natal de 2009.

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Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 26/12/2009
Alterado em 30/12/2009
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