Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


2012

Boa noite a todos.

Bem, alguém consegue imaginar cavernas subterrâneas criadas pelo governo brasileiro (ou por qualquer governo de um país da América do Sul), projetadas já de há anos para a criação de arcas de salvamento da nossa maviosa civilização latino americana?! Nestes nossos países cá debaixo, empenhados ainda em lutas ríspidas como as de conquista dos direitos mais básicos de um ser humano, como educação, cultura, saneamento básico, emprego?! Não?!

Nem eu! Por razões bem fundamentadas. Numa apuração seletiva como a sugerida hipoteticamente pelo filme 2012, visando eleger raças geneticamente desejáveis para dar continuidade à raça humana após a sua dizimação maciça, certamente que povos obscuros do ponto de vista científico e tecnológico ficariam de fora, como a excrescência descartável do novo mundo em perspectiva depois do mastodôntico cataclismo envolvendo terremotos, fogo e tsunamis em escala simultânea, monstruosa, global! E, no entanto, uma das falas mais legendárias da última década ouve-se neste filme, de um cientista americano que, no auge apocalíptico da trama, afirma:

"- Tantas máquinas e tecnologias, e os Maias já sabiam disto tudo há milhares de anos!..."

Porque, meus amigos, no arrasa-quarteirão mais devastador das últimas duas décadas (não guardo recordação, nos últimos vinte anos, de um filme que consiga literalmente lotar cinemas do porte gigantesco dos moderníssimos knoplex já por duas semanas seguidas, com lugares totalmente ocupados quase tres horas antes da sessão, e ainda fazendo rodar filas em caracóis tumultuados pelo imenso hall do andar do shopping afora), é justo o que presenciamos, logo na primeira hora de uma overdose de adrenalina que em certos momentos se abeira do patético, ao ponto das aposições humorísticas visivelmente premeditadas a fim de se amenizar a proporção catastrófica demasiadamente agressiva:

"- A América do Sul foi totalmente destruída!" - exclama um personagem secundário, em tom estarrecido, enquanto as imagens de um telão mostram o nosso soberano Cristo Redentor vindo abaixo, aos pedaços, dentre outras cenas dantescas de desespero na nossa hoje já tão convulsionada "Cidade Maravilhosa".

Tudo da nossa raça sul americana, resta logo claro no começo da destruição hedionda, vira pó! E - ponto curioso - em meio aos eleitos pelo conspiratório governo oculto aventado mesmo, hoje em dia, por adeptos destas teorias tanto tétricas quanto eletrizantes, constam representantes categorizados e cuidadosamente escolhidos dentre todo o contingente dos países do hemisfério norte (ressalvando a China, também presente). Cientistas, políticos os mais famigerados no seu elitismo racial; governantes, e mesmo animais destas nações privilegiadas!

Neste ponto de compreensão da história, portanto, ameaça-nos uma irritação surda, porque algo sugere na fita que, talvez, ante a mentalidade mirabolante do diretor da trama construída com base no polêmico e atualmente tão alardeado calendário Maia, não sobraria, nem numa fita cinematográfica fictícia, lugar nas tais "arcas da salvação" para poltrões; para povos como o nosso, ainda, talvez, imersos na Idade da Pedra desta nossa civilização "vitoriosa", empenhados, como estamos, retardatários, no combate aos problemas mais comezinhos quanto mais sórdidos de todo o repertório de dramas de flagelação humana, tais como tráfico de drogas e corrupção em todos os escalões da sociedade; miséria e pobreza social, crônica; jeitinhos brasileiros e sorrisos enviezados ante a impunidade galopante, e o famigerado retardo paralisante que não permite ao nosso povo propositalmente embrutecido alçar os altos vôos tecnológicos e científicos próprios destas nações poderosas ao redor do mundo.

Só que o poderio do hemisfério norte, tanto quanto o carnaval e o futebol brasileiro, amigos, em 2012 não bastam, para frear a tempo a revolta dos elementos e a fúria com que responde a Natureza aos desmandos seculares do homem contemporâneo, com todo o seu avanço tecnológico, sapiência e injustificável prepotência na exploração desarrazoada dos recursos mundiais. E assim, se abate, com toda a fúria desconhecida das forças ocultas no seu colossal e exaurido organismo planetário sobre os seus hóspedes rebeldes, arrogantes, ensandecidos.

Descargas solares descomunais desencadeiam um superaquecimento na intimidade comburente da Terra, provocando, de início, terremotos devastadores que abrem monstruosas rachaduras, e literalmente engolem cidades e países inteiros; depois disso, fogo, erupções vulcânicas. Uma oscilação descomunal do eixo terrestre, com a inversão dos pólos magnéticos e consequentes tsunamis, com ondas de mil e quinhentos metros de altura, e está formado, assim, o quadro escatológico, todo fundamentado nas interpretações em voga sobre o significado das profecias Maias, a respeito das quais já se perdeu a conta de estudos publicados ao alcance de qualquer um mais curioso, com ou sem fundamento, e da inundação de livros existentes sobre o tema nas livrarias do mundo todo! E, no meio desta confusão toda, o protagonista, personagem do ator John Cusack, luta, com desespero terrificante, para salvar a pele e a de sua família, naquele tipo de drama melodramático de cotidiano familiar que o americano, especificamente, adora, girando em torno de um casal separado que acaba se unindo em função do se compartilhar momentos de intensa e extemporânea dor, com o seu final de felizes para sempre!

Não obstante este último clichê, resta válida a peculiaridade do personagem de Cusack que, em sendo um dos poucos que invade clandestinamente as tais "Arcas" top secrets destinadas a salvar os poucos eleitos para dar continuidade à raça humana, se torna, ele, justamente, e quando tudo mais aparenta falhar nos planos meticulosamente traçados por autoridades mundiais, idôneas umas, protótipos do mais crasso mal caratismo outras, o coringa da vez, salvando, de fato, a pele de todos. Não vou contar como, para não subtrair do leitor todo o glamour do filme, para o caso dos que ainda não o assistiram.

2012 é arrebatador; provoca, ora lágrimas, ora susto e horror, ora falta de fôlego, e não desprende-se o olhar por um só segundo da tela. Um bom filme, se conseguirmos nos distanciar o suficiente para entrever com frieza as patriotadas sem pudores presentes neste, como em todo filme realizado anteriormente nestes mesmos moldes. Mas cala, ao final de toda aquela epopéia horripilante que nos faz sair todos do cinema com caras de quem acaba de se salvar do autêntico fim do mundo - graves, sérios, olhos arregalados - a reflexão sobre se, de fato, seria desejável sobreviver a um tal desastre civilizatório para compartilhar a continuidade do mundo com personagens a respeito dos quais, em grande número, nos resta a certeza flagrante de que não aprenderam nada - mas nada mesmo! - com tal hipotético paroxismo de terror que viesse coroar todo o longo rosário de descalabros praticados durante todos estes séculos contra o planeta, contra os nossos semelhantes; em suma, contra a reverência indispensável para com a Vida com que, a qualquer tempo, deveríamos coexistir, aqui, como em quaisquer outros quadrantes do Universo!

Dá o que pensar. E só isto, penso, vale o valor do ingresso e as quase tres horas de pura adrenalina.  
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 22/11/2009
Alterado em 22/11/2009
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