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"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


OVADAS E PICHAÇÕES

Existe uma polêmica em voga sobre uma professora do sul que puniu seu aluno obrigando-o a pintar uma parede, depois de tê-la pichado invalidando todo um mutirão realizado na escola para limpá-la e pintá-la. Embora a unanimidade em favor da atitude firme da docente, há quem a acuse de ter humilhado o garoto por tê-lo chamado "bobo da corte". A propósito disso, deixem-me contar-lhes algo que, não obstante o grau de exposição a que me sujeito assim, o que via de regra deploro, não consigo, todavia, vencer o impulso de compartilhar com quem faça a leitura deste artigo, na intenção de proporcionar que se reveja conceitos e valores, já tardiamente, acerca do que se pode ou não se pode fazer, em se tratando de alunos, de profissionais da educação e de professores.

Ontem, de volta do trabalho depois das dezoito horas, passei talvez que por um dos piores pesadelos da minha vida.

Meu filho mais velho, de dezessete anos, aluno de nível médio de um conceituado colégio do Rio de Janeiro, em tendo saído às dezoito horas, no mesmo horário em que eu na volta do trabalho, no entanto não chegava em casa. Já preocupada por conta da demora, por volta das sete e meia da noite o telefone toca e vou atendê-lo, tomada de um pressentimento ruim.

Era uma sua amiga do colégio, avisando-me que meu filho estava caído na rua, já próximo de onde moramos, depois de ter corrido do colégio até ali em fuga de uma patota de uns quinze rapazes de turmas diversas que se reuniram para, contra a sua vontade, aplicar-lhe a tal da "ovada"! Coisa que estranha e convenientemente eles classificam de brincadeira feita com quem faz aniversário, e de cuja existência antes nunca tomara conhecimento, o que só ocorreu tristemente, com a experiência traumatizante de ontem.

A amiga do meu filho relatou: correndo da turma, que já o ameaçava há dois dias com o que entendo antes como um ataque agressivo e despropositado, do que como uma brincadeira inocente como pretendem, acabou atravessando a rua no meio dos carros, a ponto de ser atropelado; e, disparado adentro por uma das ruas da Tijuca, tomou um tombo horrível, rolando pela calçada, quebrando óculos, se enchendo de ferimentos que quase o desfaleceram.

Começou ali o pesadelo. Correndo até lá com minha menina menor, o encontrei naquele estado lastimável, cercado de uma turma uniformizada que mais parecia uma gangue. Ensanguentado, sem forças para se levantar da calçada, tomado de vertigens sucessivas. Os colegas, uns poucos, ajudando-o junto a circunstantes que transitavam por ali ocasionalmente, mas outros - pasmem! - ainda insistindo em levar a cabo a selvageria, irritados com os demais que argumentavam no sentido de sustar a brincadeira porque, segundo seus próprios dizeres, já tinham ido longe demais.

Naquele único momento consumava-se no meu estado de espírito, de mistura ao desatino do momento, o estado de choque para o grau brutal de desumanidade, de falta de solidariedade, de coleguismo, em suma, de valores que ainda acreditava existirem na juventude de hoje a despeito de todos os desmandos dos nossos tempos.

Em poucos momentos após minha chegada os principais responsáveis desapareceram. Com a ajuda bondosa dos poucos colegas que ficaram e de estranhos, entrei num taxi para encaminhar o menino ao pronto-socorro mais próximo. As pessoas com quem ia travando contato de entremeio - taxista, enfermeira - revoltados ante o aspecto exaurido e ensanguentado do meu filho me instruiam com insistência que fizesse um boletim de ocorrência na delegacia e com ela saísse processando todo mundo: famílias, escola, alegando já enquadrar-se o fato inacreditável no tão debatido em escolas e artigos educacionais bulliyng.

Depois de irmos parar em dois hospitais, de vez que o primeiro não contava com a tomografia àquela hora da noite, enfim foram realizados os primeiros exames no Santa Terezinha; após, na Tijumed.

Constatado, com a graça de Deus, que ele estava apenas ferido, sem gravidade, depois do soro e dos devidos curativos e resultados de exames, retornamos, enfim, esgotados, chegando de volta em casa à meia noite.

Desde então, refleti nas sugestões indignadas das pessoas que nos estenderam as mãos no epísódio, para, pela mais absoluta falta de estrutura íntima após todo este trauma, para ainda cogitar levar a cabo tais providências drásticas, concluir que o possível para o momento era fazer o que fiz hoje: ir ao colégio; me entender com os coordenadores responsáveis pela direção e esperar deles as providências que julgava cabíveis - o que, devo dizer, foi feito, razão pela qual, ainda aqui, preservo o nome da instituição de ensino onde ele faz o nível médio. Com o devido e reiterado pedido de desculpas, alegou-se a completa discordância da direção com este tipo de "trote" descabido aplicado por conta do aniversário de um colega; comprometaram-se a comunicar a alguns dos responsáveis dos que meu filho conseguiu  reconhecer devidamente, suspendê-los; advertir as turmas...

Por conta da nossa presença, houve uma celeuma no colégio de manhã, entre colegas, professores e coordenadores que se mostraram unanimemente solidários.

Todavia, confesso: a satisfação é dada. O trauma fica!

Que tipo de educação é ministrada nos ambientes familiares de hoje, induzindo a esta mentalidade toda voltada a se mascarar a agressão pura e simples com ares de brincadeira?!

Alega-se que em todas as escolas "brinca-se" assim. Que muitos alunos gostam e mesmo pedem para participar. O que não endossa nem justifica o aspecto grave do desrespeito, da humilhação, do constrangimento brutal imposto aos que não gostam e não querem fazer parte da brincadeira de mal gosto!
 
O que é para uma mãe encontrar seu filho ensanguentado e caído numa calçada à noite, depois de, posicionando-se claramente no sentido do "não quero isto!" ao fugir da marcação cerrada dos colegas durante dois dias seguidos, afinal ser acuado numa correria perigosa que poderia, de resto, ter-lhe comprometido mais gravemente a saúde e a vida?

E se tivesse sido atropelado? Perdido a vida? Casos inúmeros já viraram notícia, de vítimas de trotes violentos na entrada na faculdade. Com punições aos responsáveis, no mais das vezes, risíveis, em se considerando o estrago nas vidas das famílias dos assim vitimizados.

Como dito, a intenção, aqui, é a indução à reflexão, chamando a atenção do leitor para princípios e valores de educação que já com atraso deveriam ser resgatados, se o que se quer é uma sociedade em que nossos jovens preparem um futuro mais liberto da carga maciça e ingrata da violência e da agressão vigentes nos dias de hoje.

Tem um estudante o direito de rabiscar uma parede depois do mutirão findo há pouco para pintar e higienizar o ambiente de uma escola? É errado o professor e um diretor que pune devidamente: manda repintar, limpar, suspende, chama os responsáveis ao entendimento que secularmente deveria prevalecer, como viga mestra de uma sociedade justa: o seu direito termina onde começa o do outro - seja este outro o colega que não quer participar da ovada, os alunos, pais e voluntários que deram de si, do seu trabalho e suor para embelezar, limpar e valorizar um estabelecimento de ensino?!

Será que tem sido ensinado em casa a filhos de todas as faixas etárias, amigos leitores, o princípio mais comezinho do que seja a civilidade? Do que seja a
humanidade?!

Agradecida pela atenção ao exposto.

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 23/09/2009
Alterado em 28/09/2009
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