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"Estar no mundo sem ser do mundo"

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O VELHO DO RIO

Benedito Ruy Barbosa, o novelista, nos presenteou, nos idos dos anos 90, com uma pérola da dramaturgia brasileira, a novela Pantanal, atualmente reprisada pela emissora SBT.

Eu estava na casa dos meus vinte anos quando a assisti pela primeira vez, deslumbrando-me com o conteúdo primoroso, os cenários mágicos do Pantanal Matogrossensse, as músicas de viola nas vozes de Sergio Reis e de Almir Sater, e o desempenho de grandes atores como Jussara Freire e Claudio Marzo, simultaneamente na pele do fazendeiro José Leôncio e do legendário Velho do Rio - motivação maior deste artigo - em desempenho marcante e magistral de sua carreira.

No enredo da novela, cuja história se desenrola nas paisagens magníficas do Pantanal, aos sons da melodia transcendental dos temas de Marcus Viana, com uma trama rica e variada de personagens pantaneiros de mistura aos provindos da cidade grande, o Velho do Rio, que em vida fora pai do protagonista, o fazendeiro José Leôncio, surge durante todo o tempo diante dos olhos de alguns dos personagens - mas não diante dos de outros.

Seu neto, filho de José Leôncio, o Jove, interpretado por Marcos Winter, o vê; sua namorada na história, Juma (Cristiana Oliveira), não apenas o vê mas, aparentemente, fora criada por ele no decorrer da trama, desde a sua meninice quando, perdendo a mãe, criança ainda, ficou entregue à própria sorte, na tapera que lhe coube como moradia. Mas o próprio filho do Velho do Rio, José Leôncio, não o vê. Sua esposa, Filó (Jussara Freire), também não o vê.

Consegue vê-lo também o peão violeiro, Xeréu Trindade (Almir Sater), personagem em si profundamente magnético e cheio de mistérios com as suas profecias e visões paranormais. Afora esses, todavia, poucos o vêem depois da lendária morte, picado no meio das matas pela boca-de-sapo, ainda na fase da mocidade de José Leôncio. Porque de lá para cá, se tornara no Velho do Rio e do Ninhal, visto por alguns, não visto pela maioria dos habitantes daquele recorte de paraíso na Terra.

Mas se afamara desde então principalmente pela aura de protetor dos animais e das matas, de sábio daqueles ermos pantaneiros banhados pelas auroras perfumadas e pela luz dourada do por-do-sol incomparável, povoados pela fauna e pela flora rica e exuberante do lugar.

Em síntese, o Velho do Rio é aquele sábio no qual reconhecemos muitos dos mestres que já passaram pela Terra deixando o seu rastro seguro de luz para outros que já enxergam o suficiente. É ele quem protege os jacarés da matança indiscriminada dos caçadores de couro para as indumentárias elegantes das grandes cidades, desamarrando barcos e desnorteando seus agentes; é ele quem se transforma em sucuri quando a defesa se faz urgente, ocultando-se dos olhares profanos, para os quais sua visão e presença não seriam de nenhuma utilidade e serventia; é ele quem auxilia quem se acidenta nas matas fechadas, surgindo do nada; quem aconselha Jove e Juma nos seus desafios e dilemas, de dentro da desorientação eventual de sua juventude; é o Velho do Rio quem não surge na fotografia de Jove, substituído na revelação por misteriosa luz, frustrando os planos do neto de finalmente convencer o pai, José Leôncio, de que ele não morrera, e de que a sua existência era uma realidade tão palpável quanto a de qualquer um deles, no momento tidos como "vivos"!

E é o Velho do Rio quem deixa as máximas válidas para qualquer um de nós em qualquer tempo, em trechos inspiradíssimos de seus poucos diálogos encetados no linguajar simples do homem dos campos:

- "O ponteiro de uma comitiva não passa disso, de um ponteiro. E é tão importante quanto os que estão lá atrás, na culatra. Porque os homens todos dependem uns dos outros, como é numa comitiva que toca o rebanho".

- " O homem é o único animal que cospe na água que bebe. O homem é o único animal que mata para não comer. O homem é o único animal que corta a árvore que lhe dá sombra e frutos. Por isso, está se condenando à morte...

E esta última assertiva, que foi ao ar no último capítulo, fecha a participação deste personagem mágico com a seguinte observação do autor:

"Palavras do Velho do Rio, meu pai"

No último capítulo de Pantanal, José Leôncio, desencarnado, enfim vê seu pai, o Velho do Rio, tomado de grande espanto. E não perde a oportunidade de lhe dirigir a pergunta metade assombrada, metade inconformada:

- Mas por quê?! Por quê o senhor não aparecia para mim?!
- Porque você não acreditava... - a resposta, simples e direta; e conta - A boca-de-sapo me mordeu, eu morri...

E aconselha, passando a Leôncio a sua capa e a sua missão, ao final de tudo, diante da emoção indescritível daquele filho que a vida toda duvidou de sua presença, por mais que outros, como o próprio Jove, lhe assegurassem que o viam e que a existência do velho Joventino por ali, naquelas matas, ajudando e protegendo, era fato:

- Agora é a sua vez; cuida bem da sua comitiva!...

Afasta-se, com um sorriso sereno, acalentador, paternal, amorável... aquele sorriso que todo pai amoroso, um dia, dirige a seu filho, transmitindo-lhe segurança, certezas, a convicção de que estamos prontos e de que é chegada a hora de assumir como ponteiros de comitiva, entoando um berrante, cuidando dos nossos, protegendo e amando a Vida!...

O Velho do Rio some à distância com este sorriso, e deixando não apenas a José Leôncio, mas a todos nós, esta belíssima mensagem.

É a vez de todos nós. Temos mestres invisíveis: adoráveis Velhos do Rio, indubitavelmente, e muito embora eventualmente não vistos, nos zelando e cuidando contra nós mesmos, contra as nossas vacilações de ânimo, hesitações e dúvidas.

Eles existem - são verdadeiros, e nos demonstram diariamente que o Amor é a liga-mestra que rege o equilíbrio e a perfeição da Vida no Universo!

Mais uma vez dirijo meus agradecimentos a Benedito Ruy Barbosa pelo trabalho único, até hoje, em termos de beleza, inspiração, poesia e conteúdo!

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 01/11/2008
Alterado em 05/12/2008
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