Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos

OÁSIS
Houve um tempo em que me vi constrangida a trabalhar num lugar onde havia elevada dose de negatividade. Pelas características mesmas da situação, e do pouco preparo íntimo dos ali presentes, criava-se um ambiente terrivelmente opressivo, onde tudo o que se fazia durante o dia era reclamar da vida, esbravejar; criavam-se, constantemente, ocasiões para atrito, ninguém parecia satisfeito com nada. Pouco respeito havia na convivência entre os que ali se reuniam diariamente. Um autêntico inferno...

Foi um período difícil, porém rico de aprendizado para mim. Porque também foi ali que aprendi, pela lei do contraste, o infinito valor dos oásis sobre a terra árida. Tive a prova, através do exemplo de uma única pessoa, de que num espinheiro muito mais vale a presença de uma única flor, e de que, anos depois, por mais que tenhamos sofrido, o que guardamos é a lembrança do perfume inesquecível destas flores solitárias que despontam, anonimamente, em ambientes sombrios, porém destinadas a legar aos ali presentes e, porventura, receptivos, a sua lição suave de força em meio à adversidade.

Havia um senhor naquele lugar - seu nome era Wilson - que não era tido exatamente como um exemplo a ser destacado no meio profissional. Cheguei a ouvir críticas impiedosas proferidas a seu respeito - julgavam-no distraído, uma pessoa pouco confiável em termos de eficiência.

No entanto, com o passar dos anos, eu, então ainda muito nova, costumava conversar com aquele senhor. Ele era um exemplo de gentileza e de distinção. De sua alma brotava um perfume indefinível, porém vivo. Nascido no mesmo mês que eu, costumava afiançar pertencer a uma corrente de energia espiritual ligada aos trabalhos vinculados a Francisco de Assis no invisível (era espírita). E sempre senti isso nele, antes mesmo que falasse; pela docilidade das suas atitudes, pela sua generosidade para com os circunstantes, pelo profundo respeito para com os semelhantes.

E pelo presente que me deixou e que guardo até hoje, numa fita de vídeo que certa vez lhe emprestei, para que assistisse ao filme "Irmão Sol, Irmã Lua", a história de São Francisco de Assis e de Clara. Após o filme, seu Wilson gravou lindas imagens de flores multicoloridas desabrochando, em efeito acelerado, tendo como fundo musical magnífica melodia. Quando dei com aquilo, na vez seguinte em que assisti à fita em casa, tomou conta do meu espírito a mais viva emoção. Aquelas flores não eram simples imagens gravadas. Brotavam vivas, em forma de energias sublimes de uma alma à qual pouco importavam e atingiam as mazelas mesquinhas dos ambientes deste mundo, pelo elevado padrão espiritual no qual vibrava.

Seu Wilson era a demonstração cabal de que há seres humanos, principalmente nos ambientes hostis, que parecem vir a este mundo com a delicada, frágil, porém sublime missão de funcionarem, em silêncio, anonimamente, como oásis preciosos no meio do deserto ressequido das experiências humanas, em cujo manancial luminoso adquirem nutrição todos aqueles prontos para absorver, dali, uma grande mensagem de esperança.

Seu Wilson vivia sorrindo; um ser humano que irradiava luz. Ainda que não sendo o modelo confinado nos padrões materialistas competitivos dos meios profissionais, que o mais das vezes costumam nivelar seres humanos à frieza das máquinas, tripudiando da sua própria condição humana, provou ser um gigante, de elevada estatura íntima, na árdua tarefa de palmilhar este mundo projetando a mais quintessenciada luz, acima das sombras predominantes, ainda, num grande número de corações e de almas.

Foi embora desta vida cedo. Quando eu ainda não tinha encerrado meu estágio naquele setor difícil de experiências, a doença devoradora o carregou de volta às mansões mais gratas das paragens azuis celestes.

Deixou-me o cálido presente das flores multicoloridas, projetadas da sua alma iluminada naquela fita de vídeo, que guardo carinhosamente até hoje. E a quem soube perceber, e disso se beneficiar, a benção da realidade dos oásis, esparsos aqui e ali, neste ou naquele com quem por vezes nos deparamos, para estímulo e alegria da nossa caminhada.

Com amor,
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 14/03/2006
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