QUANDO O PÁSSARO NÃO VOLTA - A PROPÓSITO DA TRAIÇÃO
Diz um velho adágio muito oportuno?: "o amor é como um pássaro; dê-lhe a liberdade para revoar para onde bem entender. Se, espontaneamente, voltar para você, é porque este alguém de fato lhe dedica amor. Se não mais voltar, é porque o amor desta pessoa nunca lhe pertenceu".
Já fui quase destroçada numa situação de traição. No momento, o mundo desmoronou na minha cabeça. Só a passagem do tempo e dos acontecimentos, no entanto, me ofereceu a certeza balsamizante de que aquele ocorrido, tão desastroso para os meus sentimentos anos antes, se converteu antes em benção, mal reconhecida por mim na época, e responsável, posteriormente, por me livrar de todo gênero de reveses na companhia de uma pessoa errada. Hoje, aliás, guardo a convicção de ter sido a medida engendrada pela própria Assistência Espiritual em meu benefício, no sentido de arredar do meu caminho uma situação fracassada na nascente, que só me propiciaria uma fonte fecunda dos piores sofrimentos, se nela eu teimasse em permanecer. Ocorre que, lastimávelmente, ninguém consegue refletir o suficiente quando vitimado pelo sentimento nefasto que é a paixão, fora do seu contexto saudável de tempero das relações amorosas comuns. Efetivamente, a experiência nos ensina que a paixão amorosa é cavalo bravio, no qual convém, desde a sua eclosão, fixar rédeas, deixando bem claro aos envolvidos, (a si próprio, em primeiro lugar)do modo o mais consciente possível, quem está e permanecerá no controle: no caso, a sua auto estima, que é, ou deveria ser o limite de todas as concessões num envolvimento. Não se sabe até que ponto estas situações, contudo, se revelam num batismo de fogo inevitável a todos, para que afinal se vejam vacinados contra novas armadilhas. Amor é irmão gêmeo de liberdade e espontaneidade: a partir do momento em que acontece dentro de um clima de imposição, deixa de ser amor. Desta forma, alguém fica ao nosso lado, do início ao fim, se quiser. Se não mais fica, há que se lembrar de que a vida é uma vastidão de possibilidades de enriquecimento, num sem fim de situações e companhias, para quem vai e para quem fica. Novas necessidades, porventura, levam alguém que amamos para longe. E isto dói, principalmente se ainda o(a) amamos. Mas, por mais utópico que isto possa parecer na hora do sofrimento, inexorávelmente a passagem do tempo nos empurrará à realidade inconteste: alguém se foi quando menos esperávamos. Novas chances de crescimento aguardam, inevitávelmente, a quem vai e a quem fica. À nossa revelia; com maior ou menor velocidade, dependendo da nossa resistência em nos abrirmos para o fluxo contínuo dos acontecimentos, mas, seja como for, terá que ser deste jeito. Ainda para aqueles que desistam da vida, como se ela deixasse de acontecer para o desertor: qual não será a surpresa e a decepção, quando a sua continuidade pura e simples vier empurrá-lo(a) para o depois, para o próximo capítulo das experiências, em seja qual for a esfera de vida, queira ele(a)ou não? Traição, este tema tão controvertido, e que envolve tantos dramas existenciais, guarda certa semelhança com os famosos "koans" zen-budistas, aqueles enígmas propostos pelos mestres para solução, mas sobre os quais não há solução. Qual o som de uma só mão batendo palmas? Da mesma forma, qual o sentido da experiência da traição nas nossas vidas? O "koan" da traição talvez seja de mais fácil decifração; não fácil na sua vivência, mas porventura satisfatório no seu resultado, vindo atestar a utilidade de toda experiência que nos é reservada. Porque, em muitos casos, quem passa pela dor da traição abre finalmente os seus olhos para o fato de que a vida é muito mais vasta de perspectivas para todos, e para a constatação de que nos estão reservados horizontes muito mais amplos para as nossas realizações pessoais, para muito além do mero instante de aprendizado na convivência com um único ser humano que, a exemplo de todos nós, mais não representa que uma gota dágua na magnífica imensidão do Universo de Deus. A vida é livre e abundante nas suas manifestações. Confiemos nisso, e em que muito mais nos espera no futuro, mantendo o respeito pela dádiva da liberdade não apenas para nós mesmos, mas para aqueles com os quais interagimos, na certeza de que "os pássaros que nos são afins", e magnetizados pelos elos genuínos do coração, certamente voltarão. E a legitimidade do seu sentimento por nós será, sempre, a maior e melhor garantia de que estarão sempre por perto. Com amor,
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 12/03/2006
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