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"Estar no mundo sem ser do mundo"

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O CAMINHO DO MEIO
O que ainda tumultua a vida religiosa dos povos continua sendo, como há dois mil anos mencionado por Jesus, o apego dos incautos à “letra que mata” - e não, como deveria ser, ao “espírito que vivifica”. Ao que, de fato, importa, em cada caminho escolhido no trajeto para Deus. É como se, da fruta, as pessoas se decidissem, estranhamente, a consumirem a sua casca, e não a polpa proveitosa, saborosa, nutritiva, útil...

Esta “polpa” religiosa está justamente naquilo que Buda conceituou como “o caminho do meio” – longe dos fanatismos extremos que nos roubam a clareza da visão; distante dos rótulos da palavra morta que, por si só, não fluí com a essência mutável da vida, se não contribuir, com a sua mensagem, para a eclosão do homem renovado a cada dia, a cada ano, a cada nova experiência terrena.

Certa vez pude assistir à demonstração prática desta realidade; seguia no ônibus, rumo ao trabalho diário, quando entrou, a certa altura do caminho, um senhor carregando uma pasta preta. Pelo jeito como, de imediato, e de pé, se pôs a falar com desenvoltura sobre o conteúdo do Apocalipse bíblico, conclamando os passageiros que o escutavam (indolentes, na sua maioria), a se redimirem a tempo, de vez que coisas como os últimos ciclones nos Estados Unidos, certamente, indiciavam a chegada dos tempos anunciados nos evangelhos, fácil foi a conclusão de tratar-se o orador de algum praticante de vertente religiosa conhecida nos dias atuais por estas pregações públicas.

De minha parte, e também como verifiquei ao redor, em outros viajantes distraídos, a oratória inflamada do senhor religioso em nada incomodou, e a viagem foi seguindo, tranqüila. Mas, dada a reação notadamente impaciente de outros, que reagiram com resmungos e ostensiva intolerância, deduzia-se que a pregação evangélica em curso não desaguaria em boa coisa.

Para confirmar minhas suposições, à simpatia manifestada por um jovem viajante dos últimos bancos do ônibus, que somou às palavras do homem suas veementes concordâncias, logo se opôs, por outro lado, a arenga de uma passageira católica sentada mais à frente – catequista e formada em teologia, como ela mesma se anunciou – que, para grande espanto de todos, disparou uma artilharia verbal massacrante contra a ideologia religiosa do pregador, de saída desferindo ofensas diretas contra a igreja do outro e seus postulantes - o que desencadeou, dentro em pouco, violenta briga saturada de ataques e de agressões verbais deploráveis.

No trajeto do bairro onde moro até meu local de serviço no centro da cidade – o que consome uns consideráveis quarenta minutos – a guerra religiosa inflamou-se quase que até o seu término, quando um dos protagonistas, enfim, saltou. Até chegar a este ponto, tome ironias, ofensas, uma disputa grotesca de cânticos de ambos os partidos religiosos entremeada de uma batalha embolada de mordacidade chula, de ditames deprimentes, e de um lastimável desrespeito pelo próximo, responsáveis por ter se assemelhado a cena tragicômica quase que a um quadro da mais rasteira espécie de programa humorístico. Ambos os contendentes com Jesus nos lábios, em cada ataque desferido contra as convicções do outro; ambos detentores, segundo seu próprio entendimento, da verdade absoluta.

“Que coisa!” – cheguei a comentar para o senhor que viajava ao meu lado – “Isto é a reprodução, em escala menor, do que vem acontecendo no mundo: guerras por conta de meras diferenças; por divergências religiosas, no mais das vezes!” Ao que o senhor, por sua vez, muito lucidamente, limitou-se a responder: “Se tivessem mesmo uma religião, não estariam brigando.”, voltando, em seguida, a ler tranqüilamente o seu livro.

Pois era mesmo isso: aquele senhor mencionara justo o caminho do meio - caminho que, se seguido por todos, em todas as facetas da vida, permitiria evitar, talvez, mais da metade do quadro deprimente de ódio e de incompreensão a que assistimos a toda hora no telejornalismo diário, e responsável, nos nossos tempos, por tantas e tantas guerras ideológicas e sofrimentos.

Caminho do meio na hora de não se incorrer em extremismos, de molde a nos tornar cegos para as múltiplas verdades de cada ser humano, no exercício sagrado do livre arbítrio, refletido também na escolha dos seus caminhos religiosos; caminho do meio que possibilita a visão libertadora da divindade em cada um de nós, no percurso dos caminhos infindos e diversificados rumo ao mesmo destino luminoso na eternidade – e nenhum destes caminhos é idêntico ao outro. E todos estes caminhos são, igualmente, válidos, com o aprendizado necessário e inerente a cada um deles.

É urgente que nos demos conta da nossa intolerância para com o ângulo de visão do próximo, porque não fora da Vontade do nosso Criador uma humanidade clonada – e, sim, uma destinada às vivências iluminadas do Amor Supremo entre seres unidos na riqueza da sua própria diversidade.

União e respeito dentro da diversidade – eis o Caminho do Meio. A chave autêntica da tão propalada paz, e da felicidade.


Com amor,
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 22/02/2006
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