Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos

NÃO SE PISA DUAS VEZES NO MESMO RIO...
Eis um ditado que reflete a transcendência das coisas não somente em tudo que nos cerca, mas também em nós mesmos. Portanto, quão frágeis se tornam as nossas muitas "insustentáveis ilusões do ser"!

Lembro-me de como era a casa dos meus pais quando solteira; hoje, passados muitos anos, chego lá e, por mais que me coloque à vontade pela referência forte que o lar materno representa, não se trata mais da mesma casa. Como uma visitante qualquer, pergunto tudo: posso pegar isso? Posso tomar um banho? Posso abrir a geladeira?...

Tanta coisa mudou: os móveis, a decoração, os quadros, o banheiro após as obras...outra casa. Outro lar. E também, "outros pais"...

Assim também, portanto, conosco. Muitas vezes nos pegamos proferindo estas inofensivas inverdades: sou assim; sou assado. "Sou desse jeito: quando não vou com a cara de um, alguma razão existe..." - esquecendo-se de que é mais do que provável que, daqui a alguns anos, exista a séria possibilidade de "se ir com a cara" daquele com quem antipatizávamos antes.

Sou Técnico, em lugar de "estou como Técnico". Sou romântico, em lugar de "tenho andado romântico". "Sou avêsso a críticas", sem se dar conta de que o andar da carruagem, muito possivelmente, há de ensiná-lo que, em variadas ocasiões, as críticas são boas conselheiras. Ajudam. Engrandecem a nossa acanhada percepção da vida em diversos aspectos.

Tudo é muito fluído, transitório. E o fluxo deste rio não corre apenas fora, mas também dentro de nós mesmos. Não somos os mesmos de dez anos atrás. Tudo se modificou - as próprias células do nosso corpo se renovaram. Fora e dentro, na cor e no comprimento dos cabelos, no gosto pelas roupas, na cor dos olhos, no peso corporal, nas preferências, no modo de se encarar a vida, na ocorrência maior ou menor dos sorrisos em nosso rosto; a profissão, as atividades, a moradia...quem somos nós, afinal de contas? O mesmo de ontem? Sob esta perspectiva mais vasta o que fomos ontem torna-se, necessariamente, um espectro...

O fluxo do rio correu e corre sempre, também em nosso íntimo, para a benvinda renovação da vida, e de nós mesmos.

Dentro como fora, portanto, tudo que se vê é a impermanência. As águas são outras, puras, rejuvenescidas. Em qualquer tempo que se viva, nos corações e nos dias, "não se pode pisar no mesmo rio duas vezes..."
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 29/01/2006
Alterado em 29/01/2006
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