UM MUNDO DE INOCÊNCIA
Há uma linda música do grupo ERA, cuja tradução de um dos versos é: "...Você é leve e jovem/ num mundo de inocência..." Ao fundo, vozes de crianças fazendo juras de amizade mútua. Lindo, lindo...
A maior conquista do ser humano é a expansão contínua da sua consciência para Deus, mas isto implica, desde os primórdios do seu desenvolvimento no berço da própria materialidade, na perda da inocência - sob muitos aspectos, paradoxalmente, a maior infâmia que nos é imposta como preço da maturidade, que chega com o avanço dos anos. Observo meus filhos, especialmente a pequenininha, de cinco anos; crianças muito pequenas se perdem na noção de tempo. Fazem confusão com os termos "ontem", "ainda agora", "amanhã"...Por isso mesmo, vivem como deveríamos viver, mesmo após a modificação imposta pelo decorrer dos anos: no presente. Por isso é tão fácil para elas "fazerem as pazes" de um segundo para o outro, após as brigas. Por isso nos sorriem tão fácil depois da sonora bronca, abrindo-nos os bracinhos, sem mágoas, quando as atraimos para o carinho acalentador; por isso não especulam, não fazem fofocas maldosas (nunca vi uma só criança ocupada em especular maldosamente sobre as vidas dos outros!). Por isso são leves. São felizes. São inocentes. Lembro-me de que há muitos e muitos anos - na primeira fase da juventude - quando já exercitava com alguma firmeza a psicografia, sob a orientação dos mentores desencarnados, certa vez recebi uma série de mensagens estranhíssimas, cuja profundidade nem mesmo captei em toda a sua extensão naquela época. Quem assinou, identificou-se apenas como "É". De modo algum compreenderia o cerne disso naquele tempo. Era uma mensagem para o período em que eu vivia, mas principalmente para a posteridade. Pretendo publicá-la em seguida, para a melhor avaliação de quem me lê. Tratava-se de um aviso, numa época um tanto tumultuada da minha vida pessoal, para que eu "anulasse a sarabanda da mente", como expunha. Para que excluísse, vigorosamente, os "e se isso", "e se aquilo" dos pensamentos. Com a mente atormentada por preocupações, eu vinha me esquecendo de observar e viver o presente. As preocupações da época me arrastavam, sem que me desse conta, para um estado de tormento extenuante, em que tudo se tornava um eterno "e se acontecer isso", "e se houver aquilo", "e se fulano pensar isso", "e se me acontecer algo?" Terrível! Tormentoso. Penso que o estado mais agudo da perda dessa inocência própria da infância se manifesta deste jeito, quando ocasionalmente as circunstâncias nos compelem a um estado de ausência de fé e de confiança na vida, no direcionamento supremo e equilibrado do universo, sem conseguir manter o foco de consciência no fluxo contínuo e renovador dos dias, sempre especulando sobre coisas desagradáveis que já ficaram no passado, ou temendo o que possa vir no futuro. Crianças não especulam sobre o futuro, por pior que seja a hora que passa. É um estado de inocência inconsciente, porque ainda não atravessaram todo o processo de amadurecimento que as situará no mundo adulto; mas, ainda assim, é um estado de graça! Ainda esta semana vi no noticiário: uma família, vítima de uma enchente, durante mais de vinte e quatro horas abrigando-se no telhado contra o aguaceiro que lhes invadiu a casa, sem tempo para fuga: tudo perdido, desolação. A mãe chora, dando seu depoimento humilde. E a filha, uma menininha morena que não conta mais que quatro ou cinco anos, muito séria, compenetrada, sentada ao lado, ao ver a mãe naquele desconsolo, estende a mãozinha e lhe faz, angelical, um carinho. Um jorro de luz tão simples, tão desapercebido! Ela não especula sobre o que vai acontecer depois, nem mesmo se dá conta da tragédia que se abateu sobre a vida da sua família, talvez. Silenciosa, vê a mãe chorando - lhe faz um carinho. Parece dizer: "Não chore; estamos vivos, estamos juntos, isto passará!" Tanta demonstração de fé e de força num gesto tão modesto, vindo de um ser aparentemente tão frágil! De fato, não se vê uma criança pequena mencionando ou alcançando o significado do que é ter o "stress". Uma criança pequena é um frescor eterno, a cada minuto renovada, "pronta pra próxima", a mente limpa, sem interferências... O nosso estado de consciência ideal seria aquele onde alcançamos a iluminação acerca do entendimento e assimilação, em nós mesmos, das realidades maiores da Vida e da existência, mas sem nos permitirmos a perda da inocência - mantê-la a todo custo - apenas que numa nova forma, não mais inconsciente, porém lúcida! Só assim o ciclo estaria completo, e viveríamos em paz, porque, imersos e identificados no fluxo e no ritmo divino, sem a interferência indesejável das excrescências inúteis contidas nas especulações da mente, normalmente distantes da realidade, contaríamos com o auxílio imediato do manancial infindo de recursos que a divindade inerente à Vida nos oferece na solução de todos os desafios presentes no processo infindo do nosso crescimento. A inocência, assim entendida, é como uma sintonia fina com as estações de luz do universo, sem "ruídos e estática": um estado exato de prontidão, na interação com tudo aquilo que nos é oferecido na sucessão dos dias que - acordemos! - permanecem mergulhados num eterno agora! Longe da ilusão imposta pelos estados de dia e de noite, pelo movimento dos ponteiros do relógio; distanciado das minúcias rasteiras da malícia cega, que julga tudo e todos imprudentemente, baseada em circunstâncias parciais e passageiras, sem a capacidade de enxergar "a trave no próprio olho"; sem os "ontem houve isso", "amanhã eles vão me fazer aquilo", "não perdôo porque ela é assim ou assado"... Um mundo consciente de inocência. Sem manchas. Apenas com luzes em tudo e em todos. Um mundo feliz... "Em verdade vos digo que aqueles que não se tornarem novamente crianças, não verão o Reino de Meu Pai"
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 28/01/2006
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