Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


Tempos atrás, após gastar anos com reviravoltas mirabolantes de raciocínios filosóficos e religiosos, ouvi de certo autor, cujo livro de conteúdo bastante impactante havia me impressionado durante a leitura: 

- Hoje prefiro a simplicidade dos evangelhos.

Existem frases ouvidas a esmo das quais não se esquece com facilidade, por razões que apenas muito mais tarde a própria vida nos empurra para entender.

Atualmente, também decantei a vida para livrar bagagem. Torná-la leve. Talvez porque de algum modo, ao longo dos anos, se evidencie demais o que essencialmente importa. E o que importa é o que, em última instância, nos resta.

O que levaremos? De nós? Não conosco?

Com o que de mais básico viemos a este mundo? 

Com a vida.

E a preenchemos gradativamente com a bagagem imensa, extensa e sempre crescente de coisas, objetos, conhecimentos... bens materiais e imateriais.
Valores construídos, sedimentados por intermédio de
informações e formações. 

Títulos. Rótulos. Conceitos. Sobre tudo e sobre nós mesmos.

Começa pelo nome recebido, a partir do que segue a sucessão de valores e bens agregados. Estudante, em níveis consecutivos. Profissional. Pai. Mãe. Avó...

O que somos? Ou nos definimos como sendo... político. Apolítico. Crente. Ateu. Brasileiro. Português. Senegalês...

Torcedor. Fornecedor. Escritor. Padre. Locutor...

Cozinheira ou costureira.

Professor...

Nossos gostos. Por cores. Por roupas. Por músicas. Por sabores, perfumes, por um ator...

E então me vem a lembrança, volta e meia, do que me disse há tantos anos o escritor:

- Hoje prefiro a simplicidade dos evangelhos...

Não é errado crescer através de conhecimento, cultura e aquisições, sejam elas subjetivas ou objetivas, materiais ou espirituais. Todavia, a certa altura é necessária a retomada de perspectiva. A desidentificação, que nos permita resgatar o que de fato somos. Não o que adquirimos sendo atribuído como o que somos. Ou, fatalmente, chega-se ao ponto de se arrastar a vida sob um peso descomunal do qual nem mais detectamos a procedência, e que por uma razão indefinível nos rouba a leveza, a motivação, a capacidade de sorrir.

Durante décadas a mais, ou a menos, já foi definido. Quase à nossa revelia... O que somos! O que, a todo custo, temos que ser!

Mas aqui chegamos, a rigor, sem ser nada! E deste modo, assim também daqui, fatalmente, todos sairemos! E seremos o quê?!

- "Viveremos eternamente, então devemos nos colocar acima!", afirmou certa vez, de maneira empírica, um sábio árabe. 

Sim. Acima! E por mais que eu tenha qualificado  materialmente ou espiritualmente os meus dias para interagir com o mundo da melhor forma que soube ou pude, chegará o dia em que o deixarei.

Só sendo! E deparando o simples existir!

Então, após curvas, retas, subidas e descidas, ruídos e silêncios e bagagens, risos, lágrimas, e o ir e vir de todas as ondas, também opto pela simplicidade do existir. 

Da obviedade da vida eterna, refluindo através deste momento... do agora!

E este agora é o eterno...

Gerado e emanado de Deus.

É, pois, com o que devo ficar. Porque será sempre tudo o que resta. E o que basta!

O que trouxemos e levaremos...

O ser eterno... Neste agora.

Eis tudo que sou e sei, a cada noite estrelada que contemplo, contrita, os céus infinitos...

 
Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 31/08/2020


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