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"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


A ALQUIMIA DO AMOR NO CASAMENTO

Mesmo nos meus primeiros anos de casada, nunca achei que amor fosse sinônimo de paixão ou de quantidades.

Quantidade de relações sexuais por semana ou por mês. Quantidade de vezes que se diz "eu te amo" para o parceiro, no decorrer dos dias. Quantidade de vezes que saem para programas íntimos, ou para jantar ou almoçar fora...

Quantidades...

Há algum tempo atrás vi uma entrevista televisiva interessante, na qual os atores Rosa Maria Murtinho e Mauro Mendonça discorriam sobre a qualidade de sua convivência. Sim! Aparentemente, o casal optou pela sábia trilha da qualidade no relacionamento! Rara escolha, esta! E lhes asseguro, meus caros, que é este o segredo daquela longevidade existente em muitas das uniões hoje consideradas utópicas pela modernidade, porque se generalizou, equivocadamente, a idéia de que os casais antigos atingiam fácil os cinquenta ou sessenta anos de união por pura falta de opção!

Como sempre a fôrma - as fórmulas prontas! Ignorando-se comodamente a subjetividade reinante em qualquer relação, rica em nuances e em impressões - sobretudo, rica em química, que, para cada casal, é única e intransferível!

Pois o célebre casal de artistas revelou que dormem em quartos separados... continuando casados! Mero respeito à individualidade do outro. Diga-se, elegante, apurada - um exemplo a ser seguido. E não implica a fórmula na justificativa da opção refletir a extravagância atribuída à classe artística. De fato, julgo que em muitos ítens a classe artística é vanguardista numa mentalidade mais saneada e progressista em prol do bem estar em qualquer convivência, seja ela profissional ou amorosa. Rita Lee e Roberto de Carvalho, exemplos de relação duradoura, por exemplo, inovaram, morando em casas separadas!

Excêntrico em demasia?! Talvez.... Mas tudo dependerá de um padrão de mentalidade. Afinal, confessemos: aquela paixão de arranca rabo do começo de qualquer convívio, com a passagem dos anos, se modifica; mas no sentido de poder se transmutar para algo diferente - não e necessariamente pior!

E pode, e deve ser para algo melhor! Só depende, única e exclusivamente, dos dois principais interessados!

De fato, leitor ou leitora amiga, o que a experiência nos ensina é que volta e meia, se um dos dois for dormir em outro quarto porque o parceiro quer prosseguir madrugada adentro naquele projeto inadiável do escritório, não quer dizer que isto é o fim do casamento!

A circunstância que obriga, eventualmente, um dos dois a eleger frequentemente outro cômodo por causa do problema do distúrbio de sono do companheiro ou companheira não precisa significar o fracasso da relação - e sim uma coisa só: ambos precisam dormir. A ambos é imprescindível o refazimento pelo sono, para a sua saúde, e especialmente após toda uma semana ou dia desgastante!...

Amor, meus amigos, é algo que se transmuta, com o passar dos anos, exatamente naquela liga sólida que tem tudo para fazer qualquer relação duradoura... desde que transcendamos intimamente aqueles velhos rompantes adolescentes de possessividade e de insegurança para, felizes com nós mesmos, conferirmos liberdade ampla aos nossos parceiros para serem felizes com eles mesmos, como bem entendem!

Ele gosta do futebol no fim de semana?! Ótimo! Vá, torça bastante, berre e se divirta! Ela aprecia o shopping ou o cinema com os fihos, ou eventualmente com alguma amiga? Por que não? Aliás, é senso que muitos, mas muitos maridos mesmo não julgam o melhor programa do mundo acompanhar as exigentes esposas nas compras, especialmente as que se assemelham às da época do Natal, com a extensa lista de presentes para a grande família!

O calcanhar de Aquiles para as fórmulas prontas das revistas de aconselhamento de final de semana - o número de relações sexuais decresceu drasticamente, em se comparando com a fase de namoro e noivado... Significa isto o fim do casamento?! A resposta é não, caros! Mas não mesmo! Ilustra isto, antes, as mudanças em processo no decorrer de muitos anos, para todos nós!
 
As energias não são mais as mesmas; o ritmo vital de cada um! A canalização desta mesma energia deve ser compartilhada com muito mais compromissos e atividades do que naquele início colorido, em que tudo era azul, só nós dois, um quase exclusivo tocar diário de harpas!

As aparências mudaram. Ela está mais gordinha, mais fora de forma?! Mas e o senhor, digno cônjuge? Julga que após dez, quinze, vinte anos de união, com todo o histórico inerente, sua brava esposa guerreira dispõe de tempo e paciência (para não falar no dinheiro!) disponíveis para ocupar com peelings, botox e academias? Emprega o senhor o seu tempo com estas preocupações? Acha justo que ela o julgue menos por não ter abdomen de "tanquinho"? E a senhora, amiga que me lê - procura encontrar no parceiro de cada dia um cúmplice de vida para as principais atividades familiares junto a filhos e aos múltiplos compromissos comuns - solidário, parceiro, comprometido - ou embarca no chavão da hora midiática, e se detém obsessivamente no detalhe de que ele não mais a procura sexualmente trinta vezes a cada mês? No fato de que, respeitável senhor encanecido, exibe, ele, a célebre barriguinha de cerveja? Na constatação de que, assistindo a novela das nove, gosta ele de admirar a beleza da Mariana Ximenes ou da Maria Fernanda Cândido?

Façamos uma autocrítica, a fim de avaliar se não estamos nos iludindo drasticamente na questão afetivo-amorosa de nossas vidas - por vezes sonhando um casamento longevo, mas adotando atitudes mentais e práticas imaturas, enganosas, que nos conduzirão fatalmente a um desfecho contrário.

A chave do casamento longevo, amigos e amigas, está no entendimento da realidade inevitável da alquimia do amor no decorrer vertiginoso das convivências. No se dispensar, decidida e definitivamente, as "fórmulas prontas" do que se convencionou o amor ideal, segundo os parâmetros da moda e da psicologia rasa dos horóscopos jornalísticos.

União longeva é decorrente de bem estar mútuo! E este requisito jamais prescindirá destes componentes vitais: autoestima impecável; respeito pelo outro; camaradagem, tolerância, cumplicidade na convivência!

Não se trata, esta assertiva, de oferecer-lhes minha fórmula pronta - trata-se de mera constatação, adquirida na observação ao derredor, e na infinidade de minúcias experienciadas ao longo dos anos.

Diferenças. Alegrias. Sobressaltos. Desentendimentos maiores ou menores, mais ou menos graves. O compartilhamento de emoções, revelações e novidades. Pequeninos detalhes domésticos. A torneira que quebra. A preferência dos paladares e dos perfumes. As doenças e as conquistas. As lágrimas, as gargalhadas. Como ondas no mar, que vão e vem, em climas e estações diferentes...

Simples assim...

E então já lá se vão quase quinze, vinte anos, e de repente nos damos conta: olhamos para este ou esta ao nosso lado com novos olhos, como se despertando de um sonho. Aquele ou aquela que mudou, mas que venceu conosco bons e maus bocados! Acima de tudo, porém, viveu uma história de vida em comum. Única!

Brota, naturalmente, a admiração por este ser tão especial; a gratidão! A sedimentação do bom exemplo a ser oferecido aos filhos!

Houve o abraço solidário nos momentos de desespero; a compreensão, o necessário insight após as mais horrendas brigas; os gritos de alegria nos instantes de vitória! Os casamentos e batizados. Os filhos, ou ausência deles. O trabalho contínuo, ano após ano. Os almoços e jantares. Os banhos e o sono. Noites bem ou mal dormidas. Tantas e tantas vezes, o se "discutir a relação"... às turras, ou amigavelmente...

Não importa! Passamos por tudo; transcendemos tudo!
 
Estamos aqui!...

E de repente, percebe-se, com clareza indiscutível, o tamanho do prédio erguido, a suor, risos e lágrimas. E isto, meus amigos, é impagável. É raro nos dias que correm. Mas permanece de um valor imenso! De um valor mais do que necessário, antes que a nossa sociedade ressequida de valores maiores se arruine de vez!

O amor autêntico não é a paixão incendiária do começo, e nem qualquer clichê vendido pronto do que possa vir a ser amor!

Amor - o que fica - é processo contínuo. Transformação!

Não é mesmice -  é alquimia eterna!



"All you need is love!..."
John Lennon

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 11/08/2010
Alterado em 11/08/2010
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