Zênith

"Estar no mundo sem ser do mundo"

Textos


PATRÍCIA*

Passado o Natal, aqui, agora, nesta modorra gostosa de final de tarde, me vem à mente mais de uma vez romper meu ano diante do mar; convocar minha comitiva, marido e filhos, para a empreitada de usufruir a atmosfera do reveillon de Copacabana, depois de muitos anos sem fazê-lo (a última vez, estava noiva!). Reflito que preciso agradecer por umas tantas coisas ao final de 2009. E um impulso, um anseio íntimo qualquer, me faz pensar que o lugar adequado para isto é a beira-mar - diante de um dos ícones mais poderosos da onipresença divina!

No entanto, detenho-me ainda, incerta, sem ter externado estes planos de modo a convertê-los numa real expectativa. Algo soa em falso. Alguma incongruência. Porque quem anseia pela beira-mar para as flores e os agradecimentos mudos endereçados a Deus, à Fonte primeva, perfeita, de todas as coisas, é o meu espírito - antes o silêncio do meu espírito! E este identifica estes anseios provenientes de uma origem alheia, cobrando para tanto uma situação que talvez se assemelhe de longe, qual símbolo insuficiente, à atmosfera pouco convidativa da agitação dos nossos finais de ano.

A minha real vontade era romper o ano junto ao mar - todavia, junto a um mar sereno, cujo suave vai-vém de suas vagas fossem a extensão da própria celebração, no seu rumorejar vago, acalentador - o mesmo de quando nos achamos em praia deserta com nossos pés sob as águas tépidas, as espumas voluteando, hipnóticas, naquele murmúrio e vai lá vem cá que são a própria ressonância do nosso rejúbilo interior. Do nosso estado de paz plena, em sintonia com a essência, com o Todo da Criação...

Coisa diversa do indizível tumulto das praias da zona sul do Rio no dia 31 de cada dezembro. Uma ocasião bela, sem dúvida, com turistas entusiasmados a observar o estilo carioca de se despedir do ano que finda, com as múltiplas quão belas manifestações espiritualistas ao longo das areias extensas da nossa orla; com música, humores esfuziantes, euforia, pura embriaguez de sentidos...

...mas longe do real Silêncio!

Mas quem sente a necessidade de se despedir de 2009 em frente às águas perfumadas e aos movimentos soberanos dos mares é a patrícia destas esferas de Silêncio, de dimensões outras da existência - talvez que paralelas, mesmo, aos lugares onde agora nos achamos todos, reencarnados, nas expressões mais densas da Vida. Guardo alguma recordação vaga desta expressão mais perfeita de gratidão da alma, em paragens mais afins, mais serenas... Tais lembranças recordam, antes, os anseios suspirantes de um estrangeiro exilado em terras outras, estranhas às suas saudosas origens. E esta gratidão é endereçada à Fonte primeira daquela justa rede vital que nos faculta, agora, agradecer. A que nos abastece de forças renovadas em momentos de crise, tão logo nos sintonizemos com a vetusta usina mantenedora das nossas maiores forças e luzes interiores. O nosso lar mais grato, para onde retornaremos, hoje ou amanhã, ninguém sabe - mas que permanece lá, à nossa espera, enquanto prosseguimos nestas estações transitórias de aprendizado robusto, buscando amplificar nossa sintonia com regiões que nos facultam expressões ainda mais vastas de liberdade para recriar nosso destino, para aprender através das extensões mais felizes da Eternidade!

Quero agradecer, e me conectar ao canal certo, mesmo aqui; e busco para tanto um sítio adequado, que melhor se assemelhe à silenciosa praia de águas rasas, e que me atenda a esta necessidade irrefreável da alma. Lançar flores brancas às águas caldalosas dos mares; contemplar a majestade do oceano - mas a música deste ato é a do silêncio, da mais profunda reverência, dos êxtases diamantinos do espírito ante luzes, sons e tonalidades marinhas que suspeito só poder deflagrar em plenitude naquelas paragens outras, do patriciado do meu espírito!

E a cena se faz tão nítida ante a minha visão de dentro, as sensações tão plenas... tanto enlevo e paz interior, que resta a certeza estranha de que o meu próprio ano já rompeu!...

O quadro está em branco. Só há perfumes, e tons róseos, brancos e azulados. A perfeição daquele primeiro e último momento, que por ora, na maior parte do tempo, ainda só nos comparece em sonhos!

Que Deus em sua magnificência infinita seja agora e sempre nos seus dias!

Meu abraço e agradecimento, a todos os amigos e leitores!

http://ccaleidoscopio.blogspot.com/

*
Patrício ou patrícia, segundo Michaelis; tanto faz referência às origens da nobreza na Roma antiga quanto a referências de lugar de procedência relacionada a este ou aquele. Nosso texto se prende a este segundo significado

Christina Nunes
Enviado por Christina Nunes em 26/12/2009
Alterado em 30/12/2009
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.


Comentários

Site do Escritor criado por Recanto das Letras